quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

5. 119 kg - FINESSE


– Zé... Zé...
– Hmmm...
– Zéééé...Zé.
– Hmmmm...?
– Zé... acorda... por favor...
– Que...? Que foi?
– Acorda...
– Ca, que foi??? Cê tá chorando???
– Zé....
– Que foi, aconteceu alguma coisa?? Alguém morreu??
– Não...
– Se machucou??
– Não...
– Foi um pesadelo??
– Não...
– MeuDeusdocéu, que aconteceu, porque você tá chorando??
– Zé... você me ama?...
– Que...???
– Você me ama??
– Ca... você me acorda chorando, às 3:30 da manhã, pra saber se eu te amo?
– É...
– Uai, peraí. Tem alguma coisa errada. Que depressão é essa?
– É que eu queria ouvir você dizer.
– Não é possível. Cê tá grávida?
– Não...
– Então é depressão pós parto, você já teve um filho, eu nem fiquei sabendo, e agora você tá com essa depressão toda, é isso né?
– Não, claro que não, que absurdo!!!
– De novo: você me acorda chorando, às 3:30 da manhã, pra saber se eu te amo?
– É que eu preciso saber...
– Porra... te amo, mas pode ter certeza que nesse exato momento eu te amo menos.
– Ai, seu grosso, insensível.
– Insensível, eu?? Pô, tô aqui dormindo de boa, sonhando gostosinho, quentinho, e você me acorda chorando, resfolegando, pra perguntar se eu te amo, e eu é que sou o insensível?
– É que eu preciso saber...
– Porra, mas eu te falo todo dia que te amo, te ligo de manhã, te ligo depois do almoço pra saber como você tá, sempre preocupado com você, quer mais prova do que isso?
– É que eu tô deprimida...
– Deprimida por que, porra???
– Eu não sei...
– Como não sabe??
– Eu não sei, ué, depressão dá assim, sem você saber por que!
– Que merda, você fica deprimida e eu que me fodo! Eu te dei algum motivo pra você achar que eu não te amo?
– Não...
– Cê acha que eu tenho uma amante??
– Não...
– ENTÃO POR QUE VOCÊ ACHA QUE EU NÃO TE AMO???
– Ai credo, eu hein, deixa pra lá, só queria ouvir, só isso...
– Só queria ouvir??? Porra, você me acorda chorando, as 3:30 da manhã, com uma puta olheira, olho vermelho, esse cabelo desgrenhado, me dá um susto do caralho, meu coração quase pára, e ainda quer ouvir que eu te amo??? Que jeito???
– Caramba, Zé, eu só queria saber, só isso, não era pra tanto.
– Ahh, não era pra tanto?? O que você iria achar se eu te acordasse as 3:30 da manhã, chorando, desesperado, perguntando se você não pode me dar o cu?

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Foto: Woody Allen e a morte, "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa"

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

4. 121.5kg - EU E SUPLICY, SUPLICY E EU.


Essa é uma daquelas situações kafkanianas bem ridículas que só acontecem comigo...acho. Certa feita, tinha acabado de terminar meu namoro e tinha sido um término daqueles, com choradeira, mágoa, raiva e tudo o mais. E nessa, ela me dizia que eu nunca tinha sentido nada por ela, porque eu não demostrava nenhum sentimento, que eu estava com uma cara inalterada, insensível, parecendo um robô. Pegou as coisas, foi embora e eu fiquei sentado na cama olhando pro nada realmente com uma cara de robô. Estava próximo da hora do almoço, então liguei pra um amigo pra saber se ele a fim de almoçar por aí e conversar um pouco, mas com o Baraldi nada nunca é pra já, de modo que eu teria que esperar umas 3 horas pra rangar. Daí resolvi dar um rolê pelo parque do Ibirapuera pra dar quela espairecida e pensar sobre isso, sobre como a gente fica meio robotizado mesmo quando tem que terminar um relacionamento. Esse pensamento foi evoluindo pra como a gente fica robotizado com ao longo do tempo mesmo, não só em términos de relacionamento, mas aos poucos a vida vai transformando a gente em pessoas duras e um tanto insensíveis, e que daqui a pouco o nosso corpo vai começar a produzir componentes eletrônicos, fiquei viajando em roteiro de filme e no término do namoro. Tava rolando a Bienal de Arte, resolvi entrar pra dar uma olhada, mas o tema era “Como Viver Junto”, e achei que a Bienal não poderia me ajudar, infelizmente. Como a fome já tava batendo, e ia demorar pra almoçar, resolvi comer uma esfiha e beber alguma coisa qualquer num quiosque ali, só pra dar uma forrada. Sentei, pedi as paradas e fiquei ali matutando sobre como aplicar as três leis da robótica num relacionamento. Nisso ouço uma voz conhecida, um sujeito sentado ao meu lado tava lendo um livro em voz alta pra uma mulher, poesia ou algo to tipo, mas tava virado pra ela, então não conseguia ver quem era. Continuei comendo na manha, o cara terminou de ler, comentaram sobre como o tal poeta era um gênio aos vinte e três anos, se ajeitou no banquinho e pude ver que era o senador Eduardo Suplicy, lendo em voz alta um livro do Carlos Drummond de Andrade pra uma amiga. Se virou pra mim e me comprimentou cordialmente, “Bom dia, amigo, tudo bem?”, respondi “Tudo bem?” também e pedi mais uma esfiha. Nessa ele começa a ler outra poesia pra mina, e num certo momento consigo ouvir um trecho que dizia “... o primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou, mas o coração continua”, e eu imediatamente comecei a chorar pra caraaaaaaaaaalho! Putaqueupariu, até parei de comer, e Deus sabe que aquela esfihinha tava bem boa, mas não conseguia nem mastigar. Mas vocês não tem noção, tava chorando de soluçar mesmo, mó sentidão, zuado, daqueles que dá até falat de ar. Toda a minha humanidade voltou de uma vez só, caindo como uma bomba sobre minha cabeça. Fiquei nessa chorando até ele terminar a poesia, e quando eu pedi a conta com a voz chorosa ele se virou e disse:
– Tudo bem, meu filho?
– Tudo bem... snifs... tudo bem sim... sughs... (limpando as lágrimas).
– Hmmm...
Paguei a conta e quando tava saindo disse.
– Até mais, senador, que bom que pelo menos era o senhor que tava lendo essa poesia e não o Paulo Maluf.
– Mas tá tudo bem mesmo?
– É, tá tudo bem, é só que quando eu votei no senhor nunca imaginaria que esse voto seria devolvido.

(Um aparte aqui: tem vez que eu tenho a incrível capacidade de falar umas merdas que eu não sei de onde vem, sério, não é culpa minha. Eu abro a boca, e lá das entranhas, sem fazer esforço nenhum e sem articular a boca, a besteira sai.)

Dei um tapinha nas costas do senador e fui andando pela alameda ao redor do lago, procurando um banco pra sentar e sentir plenamente minha recém humanidade readquirida, ainda choramingando um pouco.

Andei uns 100 metros e ouço uma voz novamente conhecida atrás de mim: “Ô AMIGÔ”. Me virei pra ver quem era e CARALHO!, era o senador correndo atrás de mim no meio do Ibirapuera. “AMIGO, AMIGO, UM MOMENTO POR FAVOR”

– Ô amigo, depois que você saiu minha amiga me disse que não entendeu direito o que você quis dizer com devolver o voto, venha, venha explicar pra gente, eu não percebi na hora mas ela achou que eu deveria saber, e acabei ficando intrigado também.
“Putaqueupariu entranhas filhas das putas”, pensei, “e o que eu vou dizer pro cara agora?” Lá fui eu chorando atrás do senador. Chegamos lá no quisque novamente e a amiga dele: “Oi, é que o que você disse sobre o voto devolvido foi muito interessante, e como parece que você não tá muito legal achei que ele (o senador) deveria saber o que isso queria dizer, vindo de um dos seus eleitores”.
E nisso foi chegando gente. Políticos atraem, né.
– É, porque eu tenho que devolver os votos fazendo um bom trabalho no senado e blábláblá...
Cacete, e agora. Fiquei lá com o olhos marejados olhando pra cara do senador e da amiga dele pensando o que esse negócio de devolver voto queria dizer.
E nisso foi chegando gente.
Quando ele terminou comecei a falar sem parar:
– Sabe o que é senador é que eu acabei de terminar um namoro e eu tava me sentindo meio mal meio robotizado sabe e quando eu falei em devolver voto claro o senhor faz um bom trabalho e eu nem sou fã de políticos confesso mas voto no senhor e quando o senhor leu aquela poesia lá me deu uma tristeza e daí eu comecei a chorar e me sentir melhor e então o senhor devolveu o voto pra mim diretamente não como cidadão mas como uma pessoa em particular mesmo saca e o senhor parece ser um cara legal então...”
– Qual foi a poesia – ele me cortou.
E nisso tinha já uma vinte pessoas ao nosso redor, vendo o senador.
– Ahh, uma que falava que o primeiro amor passou, o segundo amor passou...
– Ah, é essa daqui.
E eu pensando “nãonãonãonãonãonãonão...” mas não teve jeito, e foi assim que num domingo, lá pelas 13 horas da tarde o senador ficou lendo poesia pra um Tim cheio de lágrimas nos olhos com vários espectadores assistindo o recital do Suplicy. “Consolo na Praia”, o nome da poesia, ó que beleza. O poema terminava com “Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho.” (é, é foda), e quando ele disse “dorme, meu filho” ele deu um tapão nas minhas costas e disse bem alto, com um sorrisão: “VAI DORMIR, MEU FILHO!”, mas como isso pareceu meio rude, imediatamente ele corrigiu: “vai descansar, um novo amor virá.”
Graças a Deus ninguém começou a bater palmas. Malditas entranhas com vida própria. Maldita humanidade traidora.

Para seu regozijo e deleite, segue aí a poesia:

Consolo Na Praia
Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

3. 123kg - ESSE BLOG TÁ CHEIO DE GENTE BONITA.



Tem umas coisas que me incomodam. Quem me conhece sabe que eu dificilmente fico irrritado ou nervoso ou puto, mas incomodado eu fico sempre. Não se percebe, ate porque é uma sensação que não dá pra ver, é um leve desconforto no pescoço ou na coluna, daqueles que dá quando a gente dorme de mal jeito, ou quando a gente vê uma foto de daquelas tragédias tipo Mamonas Assassinas, e que faz a gente se rearranjar na cadeira, dar uma virada na cabeça de um lado pra outro e desejar nunca mais ver na vida. Ouvir, no caso.

“A festa só tinha gente bonita”
“Nesse lugar só vai gente bonita”
“Aqui tá lindo, uma vibração boa, muita gente bonita”
“Meeeeeu, é demais, você tem que ir, lá só tem gente bonita...”

Putaqueupariu, como eu tenho ouvido isso ultimamente. Só na semana que passou ouvi umas 4 vezes. Na tv então, que eu nem assisto muito, você liga e tá lá o ex-bbb (assim com letra minúscula mesmo) numa festa, o promoter promovendo a balada dele, a minazinha nova da Malhação correndo no parque, todos com um sorriso gigante, brilho nos olhos, olhando ao redor toda vez que pronuncia a famigerada frase. Mas é tanta beleza, taaaaaanta beleza que dá até uma enfeiada, porque o povo pra ficar bonito mete umas maquiagens ridículas, usa roupa de estilista experimental, fazem as combinações mais esdrúxulas. Pensando sobre isso, só posso concluir uma coisa: você, que é feio, tá fudido. Pode amarrar uma trouxinha num cabo de enxada e ir pra feiolândia, que imagino ser um lugar numa caverna no meio do mato, escura e sem água. Porque você tá perdendo lugar no mundo, meu amigo minha amiga, já era, ninguém quer você aqui não. Ôpa! Você? Como assim você? Ninguém quer A GENTE por aí, né, porque eu não sou lá nenhum Alain Delon. E outra, o Alain Delon agora faz parte da feiolândia também. Aliás, é o síndico da feiolândia. Mas eu tô me virando, eu quero ficar na luz também, tô dando uma emagrecida, já comprei meu spray de crescer cabelo, vou gardar grana pra comprar um puta carrão, senão um dia vou estar numa festa, vai aparecer a ex-bbb do momento falando pra tv “Olha gente, venham pra cá, venham que o lugar tá lindo, a festa tá maravilhosa, só tem gente bonita, menos esse desgraçado aqui que entrou por baixo da lona, PEGA ELE, PEGA ELE! MATA!” Eu, hein. Daqui uns dias vão fazer que nem os espartanos: o bebê nasce, o médico dá uma examinada, se for feio já passa logo o bisturi na garganta. Ou joga do décimo quinto andar.

“Gente, queria convidar a todos para o nosso espetáculo...”
“O show tá maravilhoso, inclusive gostaria convidar todo mundo para ver...”
“Nossa peça está em cartaz de quinta a domingo, aproveitando a oportunidade gostaria de convidar a todos para prestigiar...”

Convidar? Convidar?? No meu tempo, convidar era você ser chamado pra ir em um evento GRATUITAMENTE. Caro pra caralhoooo teatro, show, espetáculo e esse povo fica indo em programa de entrevista, ou dando entrevista em revista, e tendo a pachorra de convidar pra ver uma parada que custa cenzão o ingresso. Tá convidando, dá o ingresso de graça! O Falabella é mestre nisso, em todo lugar que ele vai ele convida o povo pra ver alguma coisa que ele tá fazendo. Se o povo resolver se revoltar, vai ser um prejú do caralho. Imagina a treta, todo mundo em frente ao teatro Bibi Ferreira no maior piquete “Falabella convidou, queremos entrar de graça, Falabella convidou, queremos entrar de graça”. Os Produtores vão pra merda.

“ Fulana de Tal mostra tuda sua versatilidade no palco do Tom Brasil...”
“ Sicrana de Tal mostra toda sua irreverência no palco Bourbon Street...”
“ A nova promessa da mpb, Beltrana de Tal, mostra todo seu charme no palco do Via Funchal...”

É impressionante como toda hora aparece uma nova promessa da mpb. Cantando samba antigo ou releituras de bossa nova. Todas são irreverentes. Todas são versáteis. Todas são tudo a mesma bosta. O bom é que são todas promessas, e promessas normalmente não são cumpridas. Elas vem, gravam um cedezinho, fazem um showzinho, dão uma entrevistinha e PUF!, viram pó, somem, desaparecem, vão pra feiolândia. Graças ao bom Deus, porque senão ia ser um inferno de cantora de mpb e sambinha em tudo quanto é esquina, infestando e devastando tudo com aquele violãozinho joãogilbertano e voz de veludo. Quer coisa mais brega que veludo?

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

2. 125.5kg - SR. CAXIAS, MUITO PRAZER.


Tô conseguindo na boa ficar sem álcool, sem açucar, sem carne vermelha, comendo só salada e tudo o menos, mas confesso que quando olho em direção a padaria e vejo aquele monte de coxinha me dá um apeeeeerto no coração... e pastel de feira, hein? Até desvio de caminho pra não passar em frente a banca.

Carai, mal comecei o projeto NewTim2009© e já emendei uma balada. Mas foi por uma boa causa: nasceu o filho de um amigo meu e a gente saiu pra comemorar. Fomos parar na Funhouse e, sem sacanagem, fiquei a noite toda na água. Chapei o côco de água. E os caras:
– Cê vai bebê cum nóis!
– Nunvô.
– Vai.
– Nunvô!
– Eu pago!
– No way.
– Uiscão!!
– Numposso.
– Quer o que então?
– Aguinha, aguinha...

Porra, a balança do tiozinho me sacaneou. Fui me pesar hoje, tinha emagrecido quase 5 quilos, quase soltei um rojão! Mas a porcaria da balança tava desregulada, ele disse, e me engordou 2 quilos, então eu escrevi que tava com 130, mas na verdade tava com 128. Pô, parece balança de batateiro, meu! No final, emagreci 2.5 quilos, mas tá valendo, o importante é ir perdendo na manha. Pra me certificar que a balança tava regulada, pesei um pacote de meio quilo de algodão que tinha lá – e deu meio quilo mesmo.

Pra forçar mesmo meu comportamento e fazer o que tem que ser feito, fiz esse Calendário de Obrigações® aí de cima, com as coisas que tenho que fazer em janeiro. Com o tempo vou me impor outras obrigações, mas por enquanto, elas são:

ESTUDAR: tô mandando bala no baixão. A banda que eu mais ouço hoje em dia é a banda Metrônomo, com os hits 60bpm, 80bpm, 100bpm... o bom é que as letras são facinhas de cantar, vê aí:

60bpm

Tá.....................tá.....................tá.....................tá.....................tá. (segue assim por 3 minutos).


80bpm

Tá...........tá...........tá...........tá...........tá...........tá...........tá...........tá. (vai assim por 3 minutos)


210bpm (essa é mais difícil)

Tátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátátá. (mais 3 minutos)

E a pedaleira, hein? Comprei uma pedaleira animal, cheia de efeitos, afinador eletrônico, simulação de vários amplificadores, uns bagúio lôco... no primeiro dia, cheguei em casa empolgadão, abri, liguei, mexi, li o manual, no segundo dia brinquei mais um pouquinho, uma semana depois tava com vontade de vender.

ESCREVER JÃO: Jão é o nome do personagem do meu livro. Comecei a escrever esse livro em 2000, quando tava na Leo Burnett. Escrevi 20 linhas, e guardei. Depois, beeeem depois, lá por 2002/2003, quando tava na Thompson, escrevi de uma taca só 7 capítulos, em 3 dias. Daí guardei de novo, deu uma travada, um branco, não sabia pra onde ir com a história. Segunda resolvi sentar e escrever, no maior medão de não sair nada, e acabou saindo o oitavo capítulo inteiro. E ainda me deu umas novas direções pra história.

ESCREVER LUA: esse é o roteiro de um longa. Tô escrevendo mais pra ver se consigo ir até o fim, particularmente não acho que seria produzido. O Brasil não tem costume de fazer filme do gênero Terror/Suspense, até porque são produções caras. Mas é um filme baseado no folclore brasileiro, pode até dar jogo. Não sei no que vai dar, mas se não estiver terminado, aí é que não dá em nada mesmo.

ESCREVER CURTA: tenho umas cinco idéias na cabeça pra curta metragens, e nunca coloco no papel. Vou escrever todas até o final do mês.

Duvido, mas vou.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

1. 130kg - ANO SABÁTICO


“A partir de hoje não fumo, não bebo, não como carne e não tomo mais banho quente.” Li isso em junho de 2006 na revista Trip - que eu compro todo mês há uns 10 anos -, em um especial sobre o sono. A frase acima foi dita por Cristovão de Oliveira quando completou 22 anos de idade. Hoje, aos 42/43 anos, Cristovão é um dos mais renomados mestres de ioga do país, e cumpriu à risca o que disse aos 22. Em primeiro lugar, o que me deixou encucado foi com o lance do banho quente. Quer dizer, pra mim, o máximo que consegui pensar foi que, parando de tomar banho quente, ele não ia passar mais perrengue em acampamento ou em uma incursão pelo sertão nordestino ou, sei lá, algum lugar longe pra cacete que não tenha banho quente. Mas parando de tomar banho quente, o cara consegue controlar melhor a temperatura do corpo, e mais uma série de outras coisas, e não passa perrengue em invernos em geral, imagino. Mas a frase toda ficou na minha cabeça, e com o tempo fui pensando em como tem pessoas que conseguem parar com tudo de uma hora pra outra, simplesmente falando “vou parar”. A força de vontade desse povo deve ser foda, e tentei me colocar nesse lugar várias vezes - em pensamento, claro. Porque não tem jeito, eu adoro biritar, petiscar, não fumo e curto muito um banhinho quente com uma eventual – bem eventual mesmo, ultimamente – companhia. Sou um puta dum bom garfo, como pra caramba, adoro antepastos, sair com os amigos pra beber e comer, adoro o rango da minha mãe, quando tô em casa como à beça, não vivo sem sobremesa, ataco coxinhas e esfihas no meio da tarde, junto com uma paçoquinha Amor ou duas, e pior, minha maior vocação é não fazer nada. Embora trabalhe pra caralho, tenha um trampo estressante e goste muito até, minha real vocação é ficar sem fazer nada. Ou seja: exercício zero.

Mas essa porra toda vai mudar. E vai ser esse ano.

Claro, não vai ser como o mano aí de cima, mas a partir de hoje, até 02 de janeiro de 2009, vou levar (reparem, não tô falando que vou tentar), VOU levar uma vida saudável.

* vou parar de beber álcool;

* vou parar com toda junkie food;

* eliminei açúcar do cardápio (adoro doce), vou trocar tudo por frutas;

* não tomo mais refrigerante, só vou tomar suco natural ou light, chá gelado, essas merdas;

* vou fazer mais exercícios (entrar numa academia, ou caminhar no Ibirapuera, comprar uns alteres pra deixar em casa...);

* vou comer muito pouca carne vermelha e frango. Não vou eliminar de vez pq adoro carne, e ainda não é o caso de virar vegan como minha amiga Marina, mas vou parar com os derivados, como salsichas, linguiças, embutidos em geral, como aquele salaminho com limãozinho por cima e uma cervejinha, poats... e frango, bom, não gosto muito, ainda mais aquele frango All Star servido por aí - aquele peito de frango grelhado que parece sola de All Star.

* vou comer direito - eu inverto tudo, sempre: como quase nada no café da manhã, almoço legal e janto beeeeeem legal, como pra cacete a noite.

* vou ir o mínimo pra balada, pq esse lance de balada é sempre uma merda: você vai pra um esquenta com a galera, sempre aparece uma minazinha bacana, você sempre acha que vai pegar a mulé, e das duas, uma:

1: ou você acaba saindo pra balada crente que vai pegar a mulher, não pega porra nenhuma, chapa o côco, volta pra casa zuado, acorda de ressaca e se sentindo um bosta, ou;

2: você vai pra balada, pega a mulher, se acaba com ela a noite toda, volta pra casa alegrão se sentindo o pegador, dorme o dia inteiro e não faz o que tem que ser feito. Claro, tem gente que diz que vai pra balada só pra se divertir. Ã-hã.

* Age Quod Agis - ou seja, Faça o que Fazes, faça o que tem que ser feito, atenha-se ao que importa, seja focado. Eu tenho uma série de projetos que começo e não consigo terminar, por ficar de putaria, só comendo, bebendo, indo pra balada e ficando sem fazer nada, minha real vocação. E claro, trabalhando. Tenho que terminar de escrever meu livro, tenho que terminar um roteiro de longa, tenho que começar uns 5 roteiros de curta, terminar uma série de ilustrações pra montar uma grife de camiseta – é, sim, grife de camiseta mesmo. É, sim, sou mais um publicitário esteriotipado mesmo. É, sim, pau no seu cu.

* me dedicar mais a música, coisa que já to fazendo, desde que comprei um baixolão e iniciei minhas aulas de baixo. Vou parar de ouvir música e procurar tocar música e criar música.

* fazer uma tatuagem. Vivo dizendo que vou fazer uma, e nunca faço.

E por último, razão de toda a treta: perder pelo menos 35 quilos. Chega de ser gordo.

Acabei de ler a biografia do Tim Maia, e as divisões dos capítulos são por logradouro, ano e peso. Resolvi copiar, espero que o Nelson Motta não me processe. O do Tim vai aumentando conforme a gente vai lendo. Os meus, Tim, vão diminuir, juro, vocês serão testemunhas.

Como vai ser isso?

Bico: vou atualizar toda semana o blog, e o cabeçalho vai ser como esse aí de cima: o número do post, o peso e sei lá, algum assunto qualquer. Serão 52 posts, um pra cada semana do ano. Tô assumindo um compromisso público (BUM!), de que vou me comportar esse ano, ficar mais saudável e chegar em 2009 com 90/95 quilos, e me esforçar pra esse projeto não acabar em pizza. Espero que em um ano eu não perca 365 dias. E se eu sair da linha, alguém, por favor, atire a primeira pedra.

Vai que eu viro um mestre iogue como o Cristovão lá de cima, né? A mulherada que pratica ioga é beeeem gostosa.

Abrax!

PS: segue aí o link da matéria com o Cristovão de Oliveira:

http://revistatrip.uol.com.br//146/especial/meditar.htm

SEGUNDO


Japão, era Tokugawa, 1605.

−...uma coisa é certa: o frio está chegando. − disse o velho samurai, quando a última folha seca de outono caiu sobre a toalha da mesa.
− Hai − disse Nui, olhando em direção à janela. As últimas luzes do dia iluminaram seu rosto.
O velho retirou a folha de cima da mesa e a entregou à esposa.
− Eu estou morrendo, minha doce Nui. Logo, não serei mais do que esta folha morta que segura em suas mãos.
− Ora, meu senhor! Por favor, não digas sandices. Ainda tem muito o que viver − disse Nui, servindo delicadamente o chá quente posto a mesa.
− Não... não tenho. Sinto já em meus ossos o frio do inverno. Já mal posso me sentar ou me levantar sem sua ajuda, ou de algum vassalo. Todo o meu corpo agoniza. Meus olhos já não vêem como antigamente. É certo. Não viverei para ver desabrochar os primeiros crisântemos na primavera. Neste inverno, eu me encontrarei com meus ancestrais.
− Meu senhor, não! O senhor não irá morrer, eu lhe cuidarei, e o alimentarei e darei de beber, e no inverno, eu lhe aquecerei com meu corpo e uma boa garrafa de sakê. Sim, eu não sairei do seu lado, estarei sempre contigo, o inverno passará e colheremos muitos crisântemos quando os primeiros raios de sol derreterem a neve.
− Minha doce Nui... − ele acariciou suavemente o rosto dela − Tão jovem, tão cheia de vida... Você veio a mim muito nova, uma criança ainda... Eu já não posso mais cumprir minhas obrigações como marido, e nem saciar seus desejos de mulher. Minhas forças se esvaíram. Hoje, sou apenas uma boa companhia para o chá. Você deve ter um homem que a complete, que você possa amar, e que te ame também, e que possa te dar filhos, e viverem muito tempo juntos.
− Meu senhor, não há homem no mundo que eu possa amar mais, e nem outro que eu deseje mais como marido. Eu o amo, meu senhor. Se um dia se fores, irei junto, para vivermos eternamente no paraíso.
− Agora é você quem não deve dizer tais sandices. Eu vou morrer, Nui, e você continuará vivendo. Mas não vou morrer como um velho senil e doente. Eu trilhei pela isshin nissenbyakudô, servi como kogi kaishakunin por quarenta anos, fui fiel ao bushido e ao shogun, e agora, é meu desejo morrer em batalha.
− Mas, meu senhor... − ela disse, a voz trêmula de quem conhece bem a determinação do marido. Ela amou aquele homem assim que o viu. A princípio, quando seus pais anunciaram a ela que iria se casar, ela relutou. Sentiu-se traída e vendida, aos 13 anos, ainda menina. Se via sendo escravizada por um homem muito mais velho, usada apenas por questões políticas e de status. Mas quando ela viu aquele homem, não desejou outro que não fosse ele, e não se lembrara mais de nenhuma outro amor de infância que não fosse seu amor por ele. Em sua primeira noite, se entregou à ele como quem se entrega à morte, não haveria o amanhã. Com o tempo, aprendeu a controlar seu anseio de tê-lo sempre por perto. Era um homem ocupado, servindo honradamente como o executor oficial do shogun. Aprendeu a esperar preparando a casa para quando ele chegasse: o chá, a cama, o jantar, o banho, o sakê, ela própria, a pele, os pelos, cabelos. Ela o amava, e o ama hoje como se fosse ontem, como se ele não tivesse mudado, envelhecido, perdido o vigor. Ela o amava, e sempre o amaria.
− Mas, meu senhor... o que será de mim. Pobre de mim em sua ausência. Fique comigo, vamos juntos até o fim. Deixe-me desfrutar de cada segundo com meu senhor até sua ida para o outro lado.
− Ahh, Nui... de todos os seus desejos, esse será o único que não poderei atender. Eu sou um guerreiro, e devo partir desse mundo com um guerreiro. E quanto a você, não se preocupe. O homem que me substituirá como seu marido será tão honrado quanto eu, tão nobre quanto, um guerreiro forte e seguidor do bushidô, de confiança e respeito, pois eu morrerei pelas suas mãos.
Ele já havia planejado tudo. No 45° dia de inverno, oito samurais se encontravam no jardim de sua propriedade. Oito dos mais nobres guerreiros, vindo de oito províncias distintas do Japão. Cada um com sua escola, seu estilo de luta. Sakon Shino, de Musagi, e seu estilo Mijin-Ryu. Benma Hatori, de Sagara, e seu estilo Soiou-Ryu. Ranma Hanzo, de Kouzuke, e seu estilo Nami-Kiri No Tati. Tenma Hidari, de Shimozuke, e seu estilo Sakate Hidari Iai. Daigoro Yagyu, de Bizen, e seu estilo Tekkô-Kagi (luva com ganchos). Naizen Kato, de Shimouza, e seu estilo Naginata (lança com lâmina de meia-lua). Juunai Kutiki, de Awa, e seu estilo Niten Ichi Ryu. E por último, Sanjô Kokagi Munechika, da capital, Edo, e seu estilo Soiou-Ryu Zambatou. Oito grandes homens, escolhidos de maneira meticulosa, sim, por que ele sabia que, ao morrer, sua fortuna e seu império teriam destino incerto, já que ele não tinha um herdeiro, e, mais incerto ainda, o destino de sua amada esposa. Sabendo disso, ele escolheu esses homens baseado em sua admiração por eles e em seu conhecimento de cada um. Um deles herdaria toda a fortuna do kogi kaishakunin Hiroshi Ogami Itto, já que ele nunca tivera um filho, nem com sua atual esposa, Nui, e nem com as outras 5 que teve em sua vida. Outros deles tombariam pela sua espada.

Ao final do combate, apenas um homem se erguia intacto no jardim da mansão. Dois, na verdade. Naizen Kato não teve a oportunidade de lutar contra o velho samurai, que jazia inerte no centro da batalha. O sangue que jorrava de seu pescoço sibilava ao vento, como o vento frio do inverno, um assobio baixo e incessante. Moga-Ribue, como era conhecido esse efeito. Poucos homens ouviram esse som, pois poucos tinham habilidade suficiente para desferir tal golpe. Hiroshi Ogami Itto teve esse privilégio algumas vezes, e antes de desfalecer por completo, pode ouvir o zunido vindo de seu próprio pescoço. E pode ver também Sanjô Munechika cumprimentá-lo honradamente, a lâmina de sua dôtanuke brilhando ao vento de inverno. Ele morreu feliz, sabendo que, dentre todos os grandes homens que se encontravam ali, era Sanjô Munechika, de Edo, seu antigo pupilo e atual Kogi-Kaishakunin do Shogun, quem ocuparia também seu lugar em sua herança, sua casa e sua esposa. Era um bom homem, um exímio samurai, e um dedicado seguidor do bushidô. Ele também trilhava pela isshin nissenbyakudô, e vivia pela lei da espada.

Nui estava muito triste pela perda de seu amado, mas também feliz por ele ter morrido da maneira que desejou. Prometera a si mesma fazer de tudo para honrar a vontade de seu marido e senhor, prometera até mesmo amar seu novo esposo, dar a ele um filho, cuidar dele como havia cuidado de seu amado, dar-lhe banho, esfregar suas costas, preparar seu chá, desejá-lo e fazer suas vontades na cama. E assim ela o fez. Sanjô Munechika era um homem muito parecido com o antigo senhor, ocupado e preocupado por conta da grande responsabilidade de seu cargo, mas atencioso, carinhoso a sua maneira, bonito a sua maneira, forte, a ponto de sua virilidade exaurir quase por completo sua esposa, fazendo com que, às vezes, ela ficasse em sua cama o dia inteiro no dia seguinte, se levantando apenas no final do dia, antes que o marido chegasse, pra se preparar para ele novamente: sal nos pés, aquecendo-os junto à lareira, óleo de gergelim pelo corpo, para uma pele macia e essência de flores nas partes íntimas, um pouco no pescoço, pois ele a adorava assim.

E assim ela seguia sua vida.

Mas só ela sabia da saudade que sentia de seu senhor, Hiroshi Ogami Itto. E de como ela ainda o amava, e como ela orava pela sua alma no paraíso, esperando pacientemente o dia em que se encontraria com ele. Nem a chegada do pequeno Shinnosuke fez com que ela amasse mais Sanjô do que seu antigo senhor. Era uma criança saudável, amável, estranhamente quieta. Quase não emitia nenhum som, chorando apenas um pouquinho quando tinha fome. Era desperto de dia, e dormia profundamente à noite, contrariando todas as regras inerentes às crianças daquela idade. Quem olhasse Nui, dizia que era uma mulher feliz e realizada, tendo um filho lindo e dois grandes homens que a amara. Mas ela amara apenas um só, e isso fazia com que ela se sentisse resignada, na verdade, esperando, dia após dia, sua hora de se juntar com seu amado no paraíso.
Sanjô Munechika aprendera a amar sua esposa, quase imposta a ele pela convocação de seu antigo mestre. Era uma esposa dedicada, companheira, ótima amante, e agora, uma ótima mãe. Era linda, e ele tinha muito orgulho dela, e se sentia honrado e ser o segundo marido e segundo homem em sua vida, substituindo aquele que lhe ensinara o verdadeiro caminho de um samurai, a arte da espada e da vida, o bushidô e o kantôrai. Ele se dedicava a ela, da maneira dele, sendo um bom marido, bom amante e bom pai. Às vezes, passavam horas conversando sobre coisas triviais da vida, aos quais ele não era muito dado em outros tempos, e conversavam sobre o antigo mestre, e ele se dava à liberdade de falar sobre antigas amantes a ela, tomavam sakê, riam e faziam amor loucamente, ali mesmo, sobre o tatami da sala de chá. Criou-se, assim, um casamento mais baseado em amizade e companheirismo do que em amor real, pois ela o amava a sua maneira, mas não era como o amor que ela sentia pelo seu antigo senhor, e ele a amava a maneira dele, pois ele nunca havia amado ninguém.
Mas ele sabia que Nui não o amava, e isso o deixava incomodado. Não por uma questão de orgulho ou posse, mas por que ele sabia que ela não era feliz ao seu lado como fora com seu antigo mestre. Ele via tristeza em seu rosto, e isso o entristecia também. Ele a amava, à sua maneira, e queria que ela fosse feliz.
− Você me ama, Nui? − ele perguntou um dia, em meio ao chá, uma pergunta que mais parecia um golpe, com uma destreza e precisão que só um samurai de sua estirpe poderia desferir.
− Sim − disse Nui, sem exitar, mas também sem olhá-lo nos olhos. − Sim, meu senhor, eu o amo como meu marido.
− Entendo... − ele disse, levando a cuia de chá à boca com as duas mãos. − E existe outra maneira de se amar alguém?
− Ora, meu senhor, então não sabe que existem várias maneiras de se amar alguém? − disse Nui, com um leve sorriso no rosto. Não de escárnio, nem de ironia. Apenas um sorriso simpático.
− Os caminhos de um samurai são marcados pela honra, disciplina, coragem e devoção ao seu mestre. Os caminhos do amor são obscuros a nossa classe.
− Pois sim, meu senhor, existem várias maneiras de se amar alguém. Amor de pai, amor de mãe, amor de irmão, de amigos. Nunca conheceremos a verdadeira face do amor, pois não existe só uma face. Teríamos que viver várias vidas para conhecer todas.
− Como você ama Hiroshi Ogami Itto? − ele a olhou fixamente nos olhos.

Nui ficou em silêncio por um instante. A pergunta feita no tempo presente indicava que Sanjô sabia que sua esposa ainda amava seu antigo mestre, e isso a desconcertou. Ela repousou a sua cuia sobre a mesa, retirou de seu quimono a folha seca que Hiroshi havia dado a ela anos atrás.
− Vê esta folha, meu senhor? Ela tem sido meu Uti-ihai por longos anos, desde que nosso senhor se foi. Todo dia eu rezo em frente a essa folha, que eu preservei com todo cuidado e intacta. Por respeito e amor ao senhor, meu marido, não tenho em sua casa um templo dedicado a Hiroshi, pois esse templo reside em meu corpo e mente. Sinto sua falta, falta da sua companhia e de nossas longas horas conversando no jardim, e de dormir ao seu lado. Como é meu amor por ele? É um amor que não é encontrado em nenhum outro lugar do mundo, e nem tem uma face conhecida, pois é um amor que só eu posso conceber, um amor maior que tudo, tão grande que posso, honradamente, dedicar uma pequena parte desse amor a essa casa, ao nosso filho e ao senhor.
− Então o amor que você sente por mim é o que vem de seu amor por ele?
Nui ficou ruborizada.
− Sim, meu senhor. Desculpe não ter em mim o seu próprio amor.
− E não se sente mal em ter que dividir sua cama, seu corpo, sua vida, com uma pessoa que você não ama?
− Não, meu senhor, absolutamente. O senhor é um bom homem, honrado, digno da grande incumbência que herdou de meu antigo senhor e seu antigo mestre. Fico feliz em realizar o desejo de meu amo, meu amado, que era o de continuar viva e servir ao homem que o elevaria aos céus.
− Não deseja estar com ele?
− Oh sim, meu senhor. Morro todo dia de saudade, e morrendo aos poucos todo dia, um dia me encontrarei com ele.
− Não ama seu filho?
− Oh claro, meu senhor! Amo nosso filho, mas cada pessoa trilha seu próprio caminho. Um filho só é nosso quando o carregamos em nosso ventre. Uma vez no mundo, ele se torna filho do mundo.
− Entendo... − disse Sanjô, sorvendo o último gole da chá. − Eu me sinto honrado em ter sido aluno de nosso antigo mestre, e agora, ser herdeiro de sua fortuna, sua casa e sua esposa, e seu antigo posto no governo. Mas creio que eu deva escrever minha própria história, portanto, eu a liberto para encontrar com seu amado.

Nui não entendeu o que Sanjô quis dizer com aquilo, até que ela o viu retirar de seu quimono sua adaga, e a depositar sobre a mesa.
− Se queres encontrar com seu amado, vá.
− Meu senhor! − disse Nui, envergonhada, se ajoelhando aos pés de Sanjô − Por favor, eu não quis ofendê-lo! Peço-lhe perdão!
Ele a abraçou.
− Você não entendeu − ele disse. − Eu não levei o que você me disse como uma ofensa, muito pelo contrário. Você sempre foi uma mulher honrada, esposa dedicada, uma amante espetacular, e agora, uma mãe formidável. Por ser essa mulher tão forte, eu aprendi a amá-la, e tudo o que eu desejo na vida é vê-la feliz. Mas isso não vai acontecer aqui, nesse mundo. Você só alcançará sua felicidade ao lado de nosso antigo mestre. Portanto, eu a liberto para encontrar com ele no paraíso. Se você o ama tanto, cometa o seppuku, e a vida eterna a esperará.
− Meu senhor − ela disse, com os olhos em lágrimas −, eu lhe agradeço, mas tal honra só é concedida aos grandes samurais. Eu não poderia, sendo uma simples esposa, dona de casa e mãe.
− Como marido, eu lhe concedo esta honra. E como kogi kaishakunin oficial do shogun, eu lhe digo que não conheci pessoa mais digna. Você é uma grande guerreira, uma fiel seguidora do bushidô, e sendo assim, eu lhe saúdo.

E se curvou ante aos pés dela.

− Agora venha, despeça-se de nosso filho. E não se preocupe com sua reputação, ela não será manchada. Eu a defenderei até o fim dos meus dias. E não deixarei que você sofra por muito tempo. Eu serei seu segundo.

Nui se levantou, beijou Shinnosuke na testa e fez uma oração pela sua alma. Se despediu dos criados mais antigos, deu ordens de como deveria ser mantida a casa após sua partida, se dirigiu ao centro da sala, e sobre o tapete branco se ajoelhou, retirou o shigoki, abriu seu quimono, pegou a velha folha seca que Hiroshi lhe dara e a envolveu no cabo da adaga, e quando Sanjô se posicionou atrás dela, com a kataná em riste, afundou a adaga em seu ventre, abrindo um corte horizontal e, sem retirar a lâmina, outro corte vertical, e antes que suas vísceras caíssem pelo tapete, sua cabeça já estava separada de seu corpo.

− Namu Amida Butsu... − orou Nui, ainda de olhos fechados, sentindo uma brisa suave de primavera, e o aroma de crisântemos lhe fazia se sentir em casa.
− Minha amada! − ela ouviu, e abriu os olhos, e lá estava Hiroshi Ogami Itto, tal qual ela o conhecera, sentado em posição de lótus à cabeceira da mesa. − Você veio. Venha, sente-se comigo. Eu lhe servirei o chá.
Ela se sentou, e o entregou a folha, agora verde e vistosa, que Hiroshi havia lhe dado em vida.