quarta-feira, 25 de novembro de 2009

31 - TIMES LIKE THIS.


Tô aqui tentando escrever sobre o Amor, a Terra e o Tempo, esse tempo, o nosso tempo. Eu sei que eles se conectam de alguma maneira, mas não consigo achar o ponto, nem como começar a tecer a linha pela qual eles correm, então vou apenas colocar os pensamentos na sequência em que eles vão aparecendo. Me recordo da primeira frase de "Um Conto de Duas Cidades", de Charles Dickens. "Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos". Todos estamos conectados de alguma maneira, mas nunca fomos tão sozinhos cercados de tantas pessoas. Queremos nos relacionar, mas não queremos perder a liberdade. Temos liberdade, mas não sabemos direito o que fazer com ela. Zygmunt Bauman descreve o amor de hoje como Amor Líquido: adaptável, mas que se esvai com facilidade. Diz que amor é posse, desejo é consumo. Quando você ama, você quer possuir, ter. Quando você deseja, você quer consumir até que se acabe. O amor quer perpetuar, o desejo quer se satisfazer. Ele dá a entender que no nosso tempo, fazemos confusão entre amor e desejo. Desejamos tão intensamente que parece amor, mas não é.

E quando o amor se vai, nos sentimos vazios.

Esse é um retrato do nosso tempo que ele não trata no livro: o amor líquido, por ser líquido, também preenche.

Um dos aspectos mais interessantes de se observar nos tempos de hoje, quando estamos todos conectados, é também a dificuldade que temos de nos livrar de um amor. Um relacionamento fracassado. Uma amiga, a Mara, disse isso uma vez, eu fiquei pensando muito sobre como é verdade. Quando não tinhamos internet, celulares e tudo o mais, terminávamos um relacionamento e praticamente nunca mais víamos a pessoa. Às vezes as encontrávamos pela rua, tomados por susto ou supresa por vê-la mais velha, mais nova, mais gorda, mais magra, melhor, pior... hoje, ela está lá, presente, vemos seus twitts, seus posts, seus perfis, seu rosto e sua vida nos quadradinhos das redes sociais. Achamos que estão falando da gente, passamos a espiar suas páginas em orkuts, facebooks... nos tornamos um tanto paranóicos, espreitando sem se dar conta que também somos espreitados. Não encontramos um amor, não nos livramos dele.

Procuramos produzir menos lixo. Reciclamos lixo. Buscamos maneiras sustentáveis de viver. Economizamos água. Pra cada cientista que aparece dizendo que estamos matando a terra, existe outro dizendo que é tudo bobagem. Me lembro do Flaming Lips, em Race for The Prize: "Two scientists were racing / For the good of all mankind / Both of them side by side / So determined". Dia desses vi uma frase, apenas uma parte dela na verdade, no Discovery, que chamou minha atenção: "...o Planeta se renova." Acho que a Terra está se renovando, mas já há muito tempo. Essa percepção de que precisamos fazer alguma coisa é muito recente. Antes, era um assunto quase elitizado, ou financeiramente ou intelectualmente, relegada ao hippies ou aos seguidores dos gurus espirituais orientais. Com o advento da internet, todos falam, todos fazem uma pequena contribuição ao planeta. Uma vez um desses cientistas disse na tv que era muita pretensão a gente achar que podemos ajudar um organismo vivo de milhares de anos. Eu acho que a Terra agradece a ajuda, mas acho interessante essa linha de raciocínio, por um motivo muito simples: ajudando ou não, se o planeta quiser matar todo mundo, ele o faz num piscar de olhos. Não sei porque ele faria isso, mas se for necessário, com uma tremida ele manda a gente pra puta que pariu, e pensar nisso dá um certo sentimento de impotência, então... é bom nos sentirmos úteis.

Não temos mais tempo. Um dia tem só 12 horas hoje em dia. Fizemos carro pra otimizar o tempo pra chegar nos lugares, construímos um montão deles até entupir todas as estradas e ruas e avenidas agora perdemos tempo no trânsito. Inventamos computadores pra fazer nosso trabalho mais rápido, mas o volume de trabalho quadruplicou, e como perdemos tempo no trânsito, o tempo que gastaríamos pra fazer coisas pra gente usamos pra trabalhar, e o que sobra, dormimos, quando conseguimos. Se tudo está parado, porque tudo parece acelerado? Vivemos mais dentro de um filme do Tony Scott do que do Ridley. Perdemos o costume de contemplar, filosofar, pensar. Substituímos por caçar e absorver referências. Mas quase não temos tempo de compartilhar essas referências com os amigos numa mesa de bar ou com a pessoa que amamos no sofá da sala. Algumas pessoas têm esse acúmulo de conhecimento como status. Olham com desdém pra outras pessoas que sabem "menos". Transferiu-se a máxima de que "sexo é melhor em qualidade que quantidade" pra "conhecimento é melhor em quantidade que qualidade". Gastam o precioso tempo adquirindo informação e morrendo aos poucos cada dia mais fechados em si mesmos. Perdemos o costume de morar em comunidades, vivemos sozinhos em apartamentos, reclamando da solidão. Um dia li um texto da Tati Bernardes que ela dizia que tinha bode de sair de casa porque não conseguia achar mais ninguém interessante, e se perguntava onde andavam essas pessoas. Concluía que estavam, como ela, também fechados em casa, também não acharem pessoas interessantes. Esse é uma das armadilhas adquirir referência, e não cultura: a inabilidade de se relacionar com pessoas que sabem "menos" que a gente. Vivemos dificultando o diálogo. Quando adquirimos cultura, sabemos lidar, respeitar nos relacionar com qualquer outro tipo de pessoa. Estamos sobrecarregados de informações, e não temos tempo de compartilhá-las face-a-face: as twittamos, re-twittamos, facebookeamos, orkutamos e esperamos que a outra pessoa faça o mesmo, nos dê crédito e, em alguma instância do pensamento, esperamos que a informação seja útil de alguma maneira.

Pode parecer um quadro estranho, mas... e se for isso mesmo? E se essa é realmente a maneira que vamos nos relacionar daqui pra frente com nosso amor, com as pessoas, com nosso planeta e com nosso tempo? E se essa forma de amar também é correta? Amar rápido, desamar rápido, amar rápido novamente. O que não podemos é perder a capacidade de nos encantar por alguém, de acharmos pesssoas interessantes dentro ou fora do nosso círculo social. Como disseram Milton e Caetano, toda meira de amar vale a pena. E se choramos demais por amor, é porque amamos muito também. Ajudamos o planeta, estamos desenvolvendo uma consciência ambiental significativa, adquirimos informação, a repassamos, criamos e recebemos créditos pelo que fazemos. Se vivemos, às vezes, de maneira superficial, e daí? Quem disse que temos que viver como nossos pais ou avós? Somos donos de nós mesmos, pro bem e pro mal. Somos finalmente livres, e essa liberdade toda nos prende à uma percepção de que as coisas antes eram mais fáceis, mas lentas, mais calmas ou melhores antigamente. Mas esse é nosso mundo, esse é nosso tempo, e o que temos que fazer é aprender a conviver com essa nova ordem mundial. Nós mesmos causamos nossas alegrias e mazelas. Respeitar o ser humano, online ou offline, geek ou freak, cool ou nerd. Assuntar bons assuntos, seja biritando ou teclando.

Eu não sei o tempo que o planeta vai durar, então sigo reciclando lixo e fazendo bom uso da água. Também não sei o tempo que um relacionamento vai durar, por isso só amo intensamente.

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Foto: Creio ser do filme Zeitgeist - The Movie, aqui!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

30 - AFASTA DE MIM ESSE CALE-SE.


Tem dia a gente é meio que forçado a ser Jesus.

Hoje, dia 09 de novembro, segunda, foi um dia estranho, um dia que eu chamei de o Dia da Ignorância. E não tô falando da ignorância vitimizada, aquela do não saber, aquela que a gente acha que é abençoada. Foi o dia da maldita ignorância. Gente intelectual ignorante, gente burra ignorante, gente rica ignorante, gente pobre ignorante... tudo isso depois do meio-dia.

Começou com um e-mail que eu recebi, com o subject "DILMA ROUSSEF com fotos das vítimas". Ok, vamos lá, vamos ver. Tava lá um texto porcamente escrito em tom de súplica, pedindo aos brasileiros que não votassem na referida canditada, por ela ter sido uma terrorista/guerrilheira no passado. E tinha lá também um monte de fotos dos corpos das vítimas. O engraçado era que as vítimas eram todos militares da época da ditadura (salvo o jornalista Régis de Carvalho), militares esses que enfiavam fios com eletrochoque no cu de mulheres grávidas, faziam as pessoas meterem a boca no escapamento do carro para inalar fumaça de óleo diesel até morrer (né Davidoso), enfiavam agulhas embaixo das unhas de quem eles queriam arrancar alguma coisa qualquer.

Eu não tô defendendo a Dilma, que fique bem claro, e nem tenho procuração pra algo do tipo e nem vou votar nela, mas um mail desse tipo é de uma ignorância ancestral, é usar de uma artimanha imbecil pra tentar manipular alguém ou uma parcela da sociedade, sei lá. A ignorância é tanta, que quem fez essa merda poderia ter pesquisado mais, e argumentado por exemplo que a luta armada no Brasil teve como pano de fundo o combate à ditadura, mas com o propósito de instalar no país uma outra ditadura, dessa vez comunista. Fora que poderia ter perdido o tempo pra achar falcatruas mais atuais. Enfim, se ela é ou não errada, se matou ou não matou, se os milicos eram vítimas mesmo ou não, não importa. Eu mesmo posso estar sendo ignorante bem agora, não conhecia os milicos que morreram. Mas foda-se: e-mail ignorante escrito por algum babaca qualquer sem ter mais o que fazer.

Depois fui ao banco pra tentar sacar o cheque do meu pagamento. Como tive que abrir uma empresa porque os ignorantes da direção da Eugenio me encheram o saco pra abrir, e me demitiram logo depois de aberta, o cheque sai em nome da minha empresa. Minha empresa se chama Luiz Ernani Mariano Gráfica ME. Meu nome é Luiz Ernani Mariano de Oliveira. Fui lá com o cheque, com o meu RG e com o cartão do banco onde tenho conta escrito "Luiz Ernani Mariano Gráfica ME", mas não pude sacar porque não tinha o contrato social da empresa. Voltei lá e imprimi um documento que meus contadores me enviaram, um Requerimento de Empresário, porque não existe contrato social para empresa com apenas um sócio. Levei lá o documento, que tinha meus dados e os dados da minha empresa, que tem o meu nome, e nada. Não me pagaram. Pedi pra falar com o gerente. A mulher o chamou e disse "ele não tem o contrato social". Eu disse "não é que eu não tenho. O contrato social não existe pra empresa com um sócio apenas", no que ela me responde "então, se não existe, você não tem!". FILHA DA PUTA! Não é que ela tava certa, a ignorante?? Vaca filha da puta. Daí o gerente me pergunta "você tem o CNPJ?", e eu "cara, sim, mas eu resolvo tudo com esse documento", e ele "se o caixa não aceita, tem que ter o CNPJ".

PORRA!

Eu chamo o gerente pra resolver o problema, e ele diz que quem manda é o caixa?? Perguntei pra ele. "Escuta, afinal, é você quem manda ou é o caixa?" Engasgou, gaguejou, balbuciou, e me mandou buscar o CNPJ. Fui.

Chego na agência, os comentários sobre o fato da Uniban ter expulsado a garota lá via anúncio nos principais jornais do Estado. A ignorância agora era institucionalizada. Eu já sabia, mas tinha passado uma feliz manhã sem me lembrar do assunto. O engraçado é que a Uniban regula grana pra colocar campanha na rua, não aprova nada, faz uns anúncios de merda QUE O REITOR manda fazer, mas pra fazer uma cagada dessa o cara investiu em mídia. É brincadeira... é a vitória da inquisição.

Daí, no Twitter, um camarada que vestiu a persona de mau humorado e rabugento, que todo mundo adora (inclusive eu), alega que quem riscou o capô do carro dele foi um "INFELIZ É UM FAVELADO, FEIO E POBRE QUE PROVAVELMENTE VAI ACABAR MORTO E DEIXARÁ OS FILHOS ÓRFÃOS", e que ele espera "QUE O CICLO SE REPITA POR GERAÇÕES E GERAÇÕES ATÉ QUE ESSA SUB CLASSE DO CARALHO SEJA ESCRAVIZADA E TRATADA COMO GADO."

É foda você chegar no lugar onde você deixou seu carro e encontrar ele riscado. Mas se ele não sabe, a sub classe do caralho é até hoje na tratada como gado, na verdade, por conta de pensamentos e declarações desse tipo. Não se cogitou que poderia ser um desses vândalos de classe média que toda hora a gente vê na tv, e nem se cogitou que o Estado não oferece segurança pra quem deixa o carro na rua. Só que muito provavelmente foi um favelado. Ainda bem que esse camarada é bem ralé, porque se é algum figurão da supra classe que fala uma bosta dessa, é aí polícia entra na favela, pressionada por um Estado Maior, e trata qualquer um como gado, pra ter um culpado, qualquer culpado, culpado por qualquer coisa. A polícia não entra em Moema (onde eu e ele moramos) e escraviza e trata a supra-classe do caralho como gado. Me senti pessoalmente ofendido, porque embora eu nunca tenho sido favelado, morei uma boa parte da minha vida na periferia de Guaulhos e São Paulo e já penei na mão da polícia, procurando por um culpado qualquer. Nunca fui assaltado. Na verdade, eu sou daqueles caras que, quando tá andando pela rua à noite, as pessoas atravessam a rua. De verdade, não é brincadeira não. Eu tenho 1,86m, mais de cem quilos e negro. Mulato, na verdade, mas pra supra-classe não importa, ela é maniqueísta, só existem branco e preto. Se por uma conjunção dos astros eu tô passando perto do carro do meu camarada quando ele viu os arranhões, e ele resolve chamar a polícia, com certeza a corda arrebentaria pro lado mais preto, afinal, eu tô geneticamente inserido na sub classe do caralho. Achei bem ignorante a declaração dele, ainda mais quando logo na sequência ele acusou os jornalistas do caso Uniban de aumentarem a língua portuguesa e inventar palavras como "idílica". Pensei em arrumar uma treta, mas apenas mandei a definição de "idílico" do dicionário da língua portuguesa e desencanei. Ignorante e inculto. Provavelmente tem uma boa graduação e uma série de cursos fantásticos por aí, afinal ele REALMENTE é um grande profissional e um ótimo programador. Mas de vez em quando eu acho que pessoas assim são uma afronta para o meu segundo grau mal concluído em escola pública. Ele devia estar nervoso, cabeça quente, sei lá eu... larguei mão, imprimi o CNPJ da minha empresa e voltei ao banco pela terceira vez pra finalmente sentir o cheiro do meu salário. É foda ter que ficar brigando por uma coisa que é sua, eu poderia ter depositado o cheque, mas ia demorar mais dois dias pra cair e tinha contas e compromissos urgentes pra tratar e pagar. Perguntei ao segurança se poderia falar direto com o gerente (quando fui da segunda vez ele ficou me encarando feio, achei melhor quebrar o gelo), ele disse que sim. Entreguei os papéis, ele deu uma conferida... e liberou. Disse até que eu poderia voltar ao caixa sem pegar fila, ó que beleza. Perguntou também se eu não tinha interesse em passar minha conta para aquele banco, e eu disse apenas NÃO. Só que foi um não tão NÃO, que ele novamente engasgou, gaguejou, balbuciou, apertou minha mão e foi pra mesa dele.

Já com meu salário no bolso, fui até o banco ao qual tenho conta pra poder depositar. Na maioria dos Itaú Personnalité, não existe porta giratória, é um outro tipo de porta, que você chega, abre-se uma, você entra em um cubículo, ela fecha, você dá um passo pra esquerda, e uma outra porta se abre dando acesso à agência. Pra sair, a mesma coisa. Quando eu cheguei, tinha um businessman saindo da agência. Ele chegou na porta, a porta abriu, ele entrou no cubículo e ficou parado, conferindo alguns papéis. Não deu o passo pro lado, que faz com que a outra porta se abra. Ficou lá parado conferindo os papéis. E eu lá parado esperando pra entrar. Eu tava com meus papéis da empresa enrolados na mão, e dei uma batidinha de leve na porta pra avisar que ele tinha que dar um passo pro lado pra outra porta abrir, e ele o fez, e ao fazer, passou por mim me olhando de cima abaixo com uma cara muito feia, mas muito feia, como se eu tivesse incomodando. Na hora me deu uma disposição fudida de dar uma porrada na cara do FILHO DA PUTA IGNORANTE, olhei pra ele e balancei a cabeça como quem diz "cai pra cima, filho da puta". Tudo isso em questão de segundos. Ele me encarou, eu chamei pro pau... e ele afinou, abaixou a cabeça e saiu andando. Entrei no banco com cara de poucos amigos, e tinha uma pequena fila. Tomei o meu lugar nela e, quando eu tava lá, pensei nesse texto e que eu deveria escrever pro meu blog. Eu sempre penso em como eu devo começar um texto, e fiquei pensando em tudo o que a merda do cristianismo nos ensinou. Hoje me deu vontade de socar o caixa do banco, depois o gerente, depois o segurança que ficou me encarando feio, depois arrumar treta com meu camarada do Twitter que todo mundo adora, inclusive eu, depois tive vontade de sair na mão com o businessman do banco, mas ali, na fila, quando eu consegui respirar, me veio à cabeça essa frase com a qual eu comecei esse texto: Tem dia a gente é meio que forçado a ser Jesus. É melhor apenas balançar a cabeça e pedir "Pai, perdoai-os, pois esses ignorantes do caralho não sabem o que fazem."