segunda-feira, 22 de novembro de 2010

39 - CÓLICA MENSTRUAL


Certa feita, eu tinha uns 24 ou 25 anos, eu saí da agência e fui pra casa da minha namorada na época. Era a primeira vez que ela tava morando sozinha sozinha mesmo, dividia antes uma casa com a irmã. Era a minha primeira namorada e eu tava felizão de namorar alguém que era independente, morava sozinha, dava pra ficar na casa dela alguns dias style casadinhos e tal, era uma curtição. A casa dela ficava abaixo da locadora em que ela trabalhava, ela saía por volta das 22:00 e eu tinha chegado lá por volta de 20:00, por aí. Como ela tinha acabado de se mudar, tinha alguma arrumação pra fazer e assim fiquei, colocando algumas coisas no lugar, bebericando um vinho, ouvindo um som e petiscando uma coisinha qualquer. Um pouco antes dela chegar, tomei aquele banho, dei aquela perfumada, e fiquei lá cheirosão esperando por ela. Quando ela chegou, tava pálida-esverdeada, com lágrimas nos olhos e a mão no ventre se contorcendo toda e eu “caralho, que foi, que foi???”, achando que tinha acontecido alguma coisa na locadora e me preparando pra subir lá e quebrar aquela porra toda!

– CÓÓÓÓÓÓÓÓLICAAAAAAAA! TÁ DOENDO PRA CARALHO LUUU, PUTAQUEUPARIU!!!

Notem: ela tinha cólica antes, eu sabia que a parada era dolorida, mas eu sabia por telefone! Eu ligava, dizia “oi Lu, beleza, tô indo praí...” e ela “meu, nem vem que eu tô com uma cólica fodida, vou tomar um remédio e dormir." Até rolava um “poxa, mas não quer que eu vá mesmo, ficar aí com você até você dormir...?” e ela “não não, relaxa, até você chegar eu já capotei...” e ficava por isso mesmo.
(Um aparte: pra quem não sabe, meu nome na real é Luiz, e ela se chamava Luciana, então era Lu pra lá, Lu pra cá, e por aí vai)
Bom, o lance é que ali era a cólica estridente e excruciante na cara daquele molecão que não tinha a menor idéia de que porra era aquela, ao vivo mesmo ali no xenhenhém. A abracei e a levei até a cama pensando “que que eu faço que que eu faço que que eu faço” e ela chorava e agonizava e apertava a minha mão que quase arrancava e eu olhava aquilo tudo e pensava “fodeu que que eu faço Jesus me salva”, e ela apertava minha mão e colocava a mão na cabeça e gemia e se contorcia e passava a mão na barriga e eu falava “vou chamar uma ambulância!!!” e ela ria e chorava ao mesmo tempo e falava “porra mas vai chamar a ambulância todo mês agora hahahahahahaaaaAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHH QUE DOOOORRRRR!!!” e eu “CADÊ O REMÉDIO CADÊ O REMÉDIO???” e ela “TÁ ALI NA CAIXINHA TÁ ALI NA CAIXINHA” fui lá, peguei logo uns dez, dei pra ela, ela tomou um só (graças a Deus) e a dor não passava e ela passava as mãos nas coxas e eu massageava as coxas dela e ela passava as mãos nas costas e eu massageava as costas dela e aí ela se contorcia de dor “UUUUGGHHHHH” e eu me contorcia junto com ela “UUUUGGGGHHHHHH” e ela “ARRRGGGGGHHHHH” e eu “AAAARRRRRGGGGG” junto, e aí parava um pouco e eu respirava, ela respirava, aí voltava “AAAARRRRGGGHHH” e eu junto “ARRGGGHHHHH”, e ficamos nisso por umas duas horas mais ou menos. Ela gemia, eu gemia junto, ela se contorcia, e eu me contorcia junto, ela massageava as pernas e eu massageava as costas e ela contraía e eu contraía junto, até que o remédio fez efeito e ela dormiu, e eu capotei ao lado dela, completamente exaurido.

Passou, amanheceu, eu fui até a padaria, comprei pães, frios, café, leite, chocolate, frutas na banca do lado, bolo, requeijão, suco, comprei tudo, pensava “sei lá o que uma mulher come depois de uma porra dessa, vou levar tudo” e assim fiz. Preparei tudo, comemos, ela tava de boa, eu também fiquei de boa, ela não falou nada, eu também não falei nada, não tocamos no assunto, eu fui só seguindo o flow. Me despedi muito carinhosamente, subi na moto e toquei pra agência de novo.

Chegando lá, cumpri com meu ritual de atualizar o timesheet logo pela manhã, abri o Photoshop, Illustrator, QuarkXPress (na época ainda não tinha Indesign), coloquei o fone, botei um jazz provavelmente (na época eu tava começando a ouvir jazz) e fiquei lá esperando a horda de diretores de arte bárbaros me pedirem imagens pra escanear, leiautar e tal, eu era assistente de arte na época. Foi aí que aconteceu o impensável.

Eu tava sentadão daquele jeito bem relaxado que a gente senta, na ponta da cadeira com os pés beeeem lá embaixo da mesa e as costas apoiadas no encosto, quase deitado. Fui me levantar pra pegar um café, acho, e daí AAAARRRRRGHHHHHH!!!!! pensei “CARALHO, EU TÔ VIRANDO UM LOBISOMEM, QUE PORRA É ESSA???” bicho, a cólica tinha passado pra mim! E eu me contorcia e pensava “mas como pode uma merda dessaaaaaaaAAAAAAAAHHHHHHHHHH!!!!” e doía a virilha e descia pras coxas, e eu massageava as coxas e doía as costas e eu passava as mãos nas costas e doía a barriga e daí eu “que que eu faço que que eu faço”, corri pro banheiro e deitei no chão de costas e fiquei que nem ela, balançando as pernas com as mãos embaixo das costas, meio elevado, e a dor ia e vinha e ia e vinha forte pra caralho, e eu me contorcia todo “uuuuugggghhhhhh” e pensava “tenho que tomar aquele remédio, que remédio será que era, que remédio era. Ligar pra Lu não vou, vergonha, vou ver no Google.” Esperei um intervalo no ciclo da dor e corri pro computador, tinha que segurar a onda porque naquela hora já tinham chegado algumas pessoas na criação. Digitei lá “remédio pra cólica menstrual”, apareceu lá “...blábláblá anticoncepcional normalmente funciona” e eu “puuuta, mas aí fodeu, vou ter que tomar anticoncepcional???” e depois “...ahh eu sempre tomo Ponstan e melhora na hora”, uma minazinha num fórum qualquer e eu “é esse! Tenho que tomar Ponstan, vou na farmácia”, e a dor voltando até que quando eu tava no elevador eu consegui pensar “PORRA, MAS ISSO NÃO FAZ SENTIDO, VOCÊ NÃO VAI MENSTRUAR IDIOTA! NÃO TEM NADA A VER TOMAR PONSTAN” mas fui assim mesmo. Cheguei lá na maior dismenorréia, com a mão na barriga e com a cor já meio pálido-esverdeado também. Fui até ao balcão, olhei pra cara da balconista (deveria haver uma farmácia só pra homens, com atendimento masculino só, #ficadica), olhei pra cara dela e pensei “E agora? Vai Tim, fala! Fala pra ela que você tá com cólica menstrual, fala.” Coloquei uma mão no balcão, a outra meio que massageando o ventre de leve e falei “Seguinte: sei lá o que eu tenho. Eu tava na minha, acabei de chegar no trabalho, fui me levantar da cadeira e começou a doer tudo aqui nessa região” e mostrei a região com movimentos circulares da mão. E ela “Hmmm... gazes?” e eu pensando “putaqueupariu, que constrangimento...”, falei “creio que não... não comi nada que pudesse dar gazes agora pela manhã...”, e ela “mas como é a dor?” e eu “é assim, dói aqui perto da virilha, desce pras coxas, dói as costas, e a dor fica indo e voltando...” e ela “Nossa!! Igualzinho quando eu tenho cólica, hahahahahahaha! Pena que você não pode tomar Ponstan e nem anticoncepcional, né??? Hahaha!” e eu olhando pra cara dela pensando “filhadaputa, ainda bem que a tpm já passou” só falei “pois é, pois é...” e ela “olha, como você disse que foi levantar, sei lá, leva esse relaxante muscular, de repente alivia, mas vai no médico, isso não é normal.” Agradeci, paguei, peguei e ralei dali. Fui tomando o remédio pelo caminho, tomei 2 de uma vez.

E passou. Tanx God, passou.

Voltei pro trabalho, falei que não tava me sentindo muito bem, fui pra casa, tomei um calmante e capotei, tomando o cuidado de forrar a cama com mais de um lençol, vai que. Ia enfiar um O.B. onde?

No seu. Enfia no seu.


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(DEDICO ESSE TEXTO PRO MONTEIRO E PRA KARINA, QUE TANTO GOSTAM E APÓIAM. LOVE YOU GUYS, CASAL LINDO)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

38 - RETRATAÇÃO


Segunda de manhã, eu com UMA RINITE DA PORRA, saí pra rua pra comprar remédios e pra ir na padaria comer uma coisinha qualquer. Eu com rinite fico totalmente sem vontade de fazer amigos, ou ter amigos, ou ser sociável. Ando pela rua parecendo um ogro, qualquer coisa me irrita, fico sem conseguir pensar direito, dou respostas ríspidas, sou grosso, é uma bosta. Tipo tpm. Fui até a farmácia, tava frio. Quando saí da farmácia, tinha sol. E eu com uma blusona que não queria ficar segurando na mão, só mirei a rua que eu tinha que subir e fui, foco na missão de comer alguma coisa. Cheguei na padaria suando em bicas, me sentei, pedi um pão com mortadela Ceratti e vinagrete, e um suco de laranja. Foi eu terminar o pedido, chegou um sujeito todo amigão já falando na empolgação:
– E AÍÍÍ MANO, COMO CÊ TÁ? - ele tava com uma calça jeans, camisa xadrez, tenis Adidas e uma boina daquelas de cobrir dreads. Chegou chegando, como se me conhecesse há muito tempo.
– TÁ SUADO TIOZÃO, VEIO CORRENDO???
Eu só dei uma olhada de rabo de olho e falei "tá meio calor...", enxugando a testa com um guardanapo.
– PODICRÊ, DE REPENTE SAIU O SOL JÀ PELANDO NÉ TIOZÃO???
E eu, pensando "tiozão é sua irmã, aquela barbada, seu viado", só respondi "...podicrê, podicrê..." e ele continuou:
– MAS AÍ TRUTA, POSSO TE PEDIR UMA GENTILEZA???
E eu: "se for grana meu, tenho não, tô zerado..."
– NÃO É GRANA NÃO TRUTA, AÍ, EU NUNCA PEÇO GRANA PRA NINGUÉM NÃO! - falou meio puto.
– ...cê quer o que então, meu...? - perguntei
– IA PEDIR UMA BEBIDA SÓ.
– ...e eu ia ter que pagar, e não tenho grana não meu, tô zerado, como te disse. Aí o cara desbaratinou e saiu saindo pro outro lado e ficou lá meio que reclamando, depois ficou pirando numa foto em que tinha um cara com um puta peixão que ele tinha pescado, depois falou mais algumas coisas pro nada, foi em direção à saída e quando chegou à porta parou, olhou pra mim com uma outra postura e disse:
– Aí, eu tô voltando. - e saiu, virou a esquina, passou por trás de mim pela rua (a padoca era de esquina e tinha das portas daquelas de vidro) e concluiu: "Você não responde nada agora, mas quando eu voltar quero ver o que você vai responder." Falou assim mesmo, tudo certinho, sem gírias e sem aquela empolgação toda do começo, com uma gravidade na voz.

Fiquei uns dois segundos olhando pro suco de laranja e na sequência eu tive uma visão e pensei "FUDEU! Era Jesus disfarçado de nóia, testando minha fé e generosidade. E ainda deu a letra de que vai voltar."

É o seguinte: se era mesmo Jesus, eu tenho algumas considerações a fazer em minha defesa:

1 - Eu tava com rinite, e rinite afeta o discernimento. Então faz favor, dá um desconto;

2 - Arruma um disfarce melhor. Pô, o que aconteceu com o velho mendigo, ou a tiazinha, ou a criancinha? Nóia, meu??? Ninguém é obrigado a aturar nóia. E que chega chegando ainda, sem ser na humildade? Não dá...

3 - A abordagem foi capciosa, no intuito de me levar ao erro. Eu tava, como disse, com rinite e a divindade em questão tava com um disfarce que mexe com os brios das pessoas, fora que capciosidade é coisa mais do lado de baixo do que do lado de cima. Há contradição na própria essência da ação.

Partindo desse princípio, abro aqui, claro, espaço para a réplica. Eu não sou uma má pessoa, sou generoso na medida e até tenho fé, mas vamos jogar limpo aí.

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Foto: ééé... não dá pra saber, né... eu vou tentar ir ao show, por via das dúvidas. Vai que é um teste coletivo, sei lá...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

37 - ORGULHO DE SER PAULISTA


São Paulo é uma cidade foda. É estressante, é cáustica, venenosa, nociva e corrosiva. É poluída, tem trânsito pra caralho, tem injustiça pra caralho, desigualdade social pra caralho, gente pra caralho.

E cada vez chegando mais.

E isso é ótimo, porque uma das poucas coisas que tornam a vida suportável aqui são as pessoas que aqui habitam e os amigos que aqui estão.

Algumas, claro.

Essas eleições mostraram uma faceta extremamente vergonhosa de algumas pessoas que moram por aqui, um grupinho ínfimo e ridículo de gente que acha que São Paulo tem que ser para os paulistas, como se ser paulista fosse grande coisa. Pois eu digo que aqui, em São Paulo, só tem paulista. E se marcar, quem vem de fora é mais paulista que a gente que mora aqui, afinal nascemos aqui, temos o conforto de ter a família por perto, a maioria dos nossos amigos estão por aqui e vão continuar por aqui. Já o sujeito que sai lá de outro estado ou cidade deixa todo o conforto da família lá, dos amigos lá, a rotina lá, a praia lá, ou o campo lá, ou a serra lá pra vir ser paulista aqui, trabalhar até tarde aqui, respirar gás carbônico aqui, entrar em filas imensas, pegar trânsito imenso, tudo isso pra ganhar a vida aqui e pra contribuir para o crescimento e progresso DESSA cidade aqui. E para fazer amigos e construir família aqui.

Não conheço muita coisa do Brasil não. Visitei o Rio com meu amigo e irmão David, São Tomé das Letras e São Bento do Sapucaí com meu irmão e amigo Humberto, e visitei quatro cidades do nordeste: Salvador, Aracaju, Natal e Aracati, onde fica Canoa Quebrada, pra onde eu fui. E em todas elas eu nunca ouvi uma só palavra que ferisse a minha origem, não ouvi uma palavra desrespeitosa, pelo contrário. Em algumas delas até fui chamado pra morar lá, e na maioria delas eu fui é sacaneado no maior bom humor, como os cariocas dizendo que paulista não sabe fazer feijoada (e eu devolvendo que carioca não sabe fazer pizza, e é verdade) ou então os cearenses dizendo que paulista não sabe andar devagar (e eu dizendo "tá, mas cadê minha comida???" "Ôxe, vai voltar correndo pro trabalho é???" Rárárá)

Conheci Lisboa também. E coisa lá é no xenhenhém. Tem um sujeito lá que se chama José Pinto Coelho, presidente do PNR - Partido Nacional Renovador, um cara de fala tranquila mas incisiva, de olhos azuis clarinhos muito, muito profundos. E a plataforma de governo dele é basicamente a seguinte: IMIGRANTES, FORA. Ele anda pra cima e pra baixo cercado de uns neo-nazis, e o partido dele tem representação na câmara e numa das eleições que teve lá ele obteve 2% dos votos. E isso sim, apesar de ser escroto, merece respeito porque o cara tá lá dando a cara pra bater e defender as idéias de merda dele. Se sabe onde ele mora, se sabe qual o rosto dele, você pode até encontrar com ele pela rua - como aconteceu comigo em Alcântara, quando dei de cara com ele e seus asseclas numa esquina. Ele olhou pra mim com aqueles olhos azuis clarinhos profundos, sorriu, me deu uma filipeta dizendo IMIGRANTES FORA e se foi, pacificamente. E o mais interessante disso tudo é que o cara terminou os estudos secundários dele onde? Rio de Janeiro, ó só. Malandreeeenho, hein!

Aqui não. Aqui você só conhece a cara da pessoa porque, além de racista, ela é burra o bastante pra cometer atos falhos no twitter - e cá entre nós, é ato falho, os imbecis acham que vão dizer e passar batido. Eles escrevem e, tenho certeza, na sequência rola um "ops!!" à lá Homer Simpson. Fazem movimentos às escuras, anônimos, e ainda tem a pachorra de dizer que é para o bem dos paulistas, ora vão se foder. Tá injuriadinho, tá irritadinho, não gosta de imigrantes? Ora, é simples, vá embora. Vai pra outra cidade que você julga melhor, você não precisa ficar aqui só porque nasceu aqui, vá achar seu lugar no mundo, porque uma coisa é certa, São Paulo é uma cidade foda. É estressante, é cáustica, venenosa, nociva e corrosiva. É poluída, tem trânsito pra caralho, tem injustiça pra caralho, desigualdade social pra caralho, gente pra caralho. Mas é também acolhedora, cosmopolita, open minded, miscigenada, terra de oportunidades, harmônica em seu caos, linda em seu hermetismo de concreto, e se você não aguenta, rala. Pára de ocupar espaço de pessoas que querem ser paulistas como nós, que vivemos e respiramos a vida real de São Paulo.

E são meus amigos de todos os lugares do mundo que vivem aqui é que me dão orgulho de ser paulista. Pessoas que trazem novas visões, novas culturas, novos pontos de vista. Eu me vejo em cada um deles e sou um pouquinho de cada um deles, como todo BOM paulista deve ser.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

36 - SUBWAY BLUES II


No domingo, dia da eleição, eu tava indo pra Guarulhos pra votar, e como de costume peguei o metrô na estação São Joaquim sentido Tucuruvi, pra de lá pegar um ônibus até a Vila Galvão, onde eu voto. Fiquei ali parado em pé ouvindo o acústico do Jay-Z (H TO THE IZZ-O, V TO THE IZZ-A!!) e, como sempre, minding my own business, até que na estação da Sé ocorreu um evento interessante. No meio da muvuca que desceu pelo lado esquerdo do trem, um cara ficou do lado de fora olhando uma garota sentada bem na minha reta. Ele era um militante petista, com barba rala, boina, camisa vermelha com a estrela do PT, uma bermuda jeans e sapatos docksides. E moça tava com um vestido florido azul e uma sandália rasteirinha, ela era bonitinha bagaray, parecia que tava indo pra uma festa na roça. O lance é que o cara ficou ali olhando pra ela, com um sorrisinho bobo na cara, e ela olhava pra ele meio sem graça, aí desviava o olhar, depois olhava pra ele de novo, aí olhava pro lado, e ele lá, imóvel, parado, sorrindo, olhos fixos nela sem se importar com a galera que olhava pra ele de dentro do metrô (paixão faz isso com a gente né, é foda...). Ficou assim o tempo todo em que o metrô ficou parado pras pessoas descerem e as outras subirem, e quando finalmente as portas se fecharam, ele deu um tchauzinho pra ela, ela deu um tchauzinho pra ele, ele mandou um beijo pra ela, ela sorriu, e o metrô se foi.

Aí aconteceu um lance fantástico.

Quando o metrô saiu da estação, ela puxou caderninho de dentro da bolsa e abriu em uma determinada página. Deu pra sacar que era um diário, e quando ela abriu, tinha uma série de coisas escritas em vermelho do lado esquerdo, e uma série de coisas escritas em azul do lado direito, e eram duas listas. E ela pegou uma caneta vermelha e escreveu do lado esquerdo assim:

"Eu sempre fico sem graça pelo jeito bobo com que ele olha pra mim"

(Um aparte: se você acha que foi uma invasão de privacidade eu ali olhando a menina escrevendo uma coisa pessoal dela no diário dela, em minha defesa eu só posso dizer pra você se dirigir ao guichê 2 e fazer uma reclamação formal em três vias com firma reconhecida, ok? Beijo, me chupa.)


...falávamos...?


Ahh sim. Ela escreveu em vermelho do lado esquerdo do diário "Eu sempre fico sem graça pelo jeito bobo com que ele olha pra mim", e aí, metodicamente pegou uma caneta azul e escreveu do lado direito do diário:

"O jeito bobo como ele olha fixo mim me faz me sentir especial." Ela escreveu assim mesmo, 'me faz me sentir especial', parece estranho essa construção, mas acho que tá certo. E aí meu, tinha mais um monte de coisas que ela não gostava dele em vermelho e outro monte de coisas que ela gostava dele em azul. Caraaaay véi, fiquei de cara, fiquei mesmo impressionado com, além do romantismo, a praticidade da mina em fazer uma lista de 'gosto/não gosto' ali, assim tão bem definida, escrita lado a lado para facilitar a comparação. Se você for um pouco pessimista, pode até ser que seja uma maneira meio fria de avaliar uma pessoa, mas sei lá... não sei. Todo mundo avalia todo mundo de alguma maneira. Ela deve ter os motivos dela, um lance assim ou é inocente demais, ou é coisa de gato escaldado. Mas uma coisa é certa, o lado azul tava vencendo, e eis que isso é bom.

Esse lance durou até a estação Carandiru, e ela desceu na Jardim São Paulo, e eu desci mais duas depois, no Tucuruvi, com o Jay-Z berrando no mic "Ain't no loooooove, in the heart of the cityyyeeahh"...

Calaboca, Jay-Z! Cê num sabe de nada, mano.