quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

32 - Subway Blues


Certa feita, eu tava no metrô a caminho do trabalho, meio que ali olhando pro chão minding my own business, quando notei uma mulher na minha frente. Ela tava com um olho roxo, roxasso, de porrada mesmo. Tava chorando, daqueles choros parados, de só correr lágrimas, sem resfolegar ou soluçar. Depois de um tempinho (e eu na frente dela olhando pra um lado, pro outro, pra baixo... e pra ela), ela começou a esfregar as mãos, mais precisamente os dedos, o dedo, e a aliança. Era uma aliança de noivado, dessas grossas de ouro que dá pra escrever o nome do casal e data de casamento e tudo o mais. Esfregou, esfregou, coçou, foi rodando a aliança no dedo até tirar, tava difícil, não saía fácil, mas saiu. Ela segurou a aliança na mão, apertou, apertou e manteve na mão até quando o metrô parou em uma estação: quando a porta se abriu, ela jogou a aliança no vão do trilho, foi pro fundo do vagão e se sentou em um banco vazio lá, apoiou a cabeça na mão e chorou com mais veemência.

Fiquei triste por ela, meio revoltado também. Parecia ser uma moça legal, ela tinha um jeitão bem normal, não usava nenhuma roupa que chamasse atenção, não tinha um corte de cabelo diferente, usava um par de tênis desses de caminhar. Não sei se ela fez por merecer, mas parecia que não. Se ela merecesse, provavelmente estaria de óculos escuros e nariz empinado. Era de manhã, passei o dia inteiro meio melancólico. Terminar um noivado dessa maneira, que foda...

Andar de metrô tem dessas. Engraçado, de ônibus eu quase nunca noto nada, nada acontece. É sempre a mesma coisa, mas no metrô eu já vi bastante coisa, umas engraçadas, outras não como a história da moça aí de cima. Eu poderia contar algumas aqui, mas tô com uma certa preguiça, confesso. Na verdade, esse post é pra falar de uma coisa que eu vi hoje, mais singela.

Hoje, eu vi o que pode ser o começo de um relacionamento.

Eu tava ali em pé, pensando na vida como sempre esperando o metrô chegar, e tinha duas pessoas, um casal, conversando do meu lado. Falavam trivialidades do trabalho e coisas assim. Quando entramos eu fiquei em pé ao lado da porta e eles ficaram em pé na outra porta do mesmo lado que eu. Confesso que dei uma olhada com atenção pra moça, ela tava bem sexy, com uma calça apertada e uma camisa com uns babados na frente, parecendo aquelas coisas que os dândis franceses usavam. Gostosa né?, pra usar um português bem claro. (Abro aqui um parêntese: nem toda mulher gostosa é sexy, mas toda mulher sexy é gostosa.) Tinha uns 30 anos, cabelo amarrado com um rabo de cavalo bem feito, sorrisão, falava gesticulando. Ele tinha mais de 30, camisa branca um número acima, meio surrada, por dentro da calça social preta. E com uma barriga ali já se pronunciando.

Fiquei ali na minha, e quando olhei de novo, eles estavam parados um de frente pro outro, olhos nos olhos. Ela com aquele sorrisinho apreensivo no rosto, ele olhando mais sério pra ela. Falaram mais alguma coisa, pararam, ela encostou mais nele, ele encostou mais na parede do vagão, ala afastou mais um pouco, sorriu, ele sorriu sem graça. Ela olhou pra um lado e pro outro, como que conferindo se não tinha ninguém vendo que ela tava mais dando em cima dele do que ele dando em cima dela. É engraçado ver alguém querer manter uma descrição e privacidade num vagão lotado. Voltou a olhar pra ele, chegou mais perto, ele novamente encostou mais na parede, mas dessa vez levou a mão até a cintura dela e ela, num gesto que me deixou surpreso, afastou a mão dele, mas encostou mais o corpo e chegou a cabeça mais perto da dele, ficando nas pontas dos pés, era mais baixa que ele. Fiquei vendo essa cena e pensando que é raro presenciar algo assim em pessoas com mais de 30 anos. Você vê isso muito com adolescentes na porta da escola, no portão do condomínio (não existe portão de casa mais), ou até mesmo no metrô. Mas pessoas com mais de 30 tem todo um aparato de restaurantes, vinhos, palavras colocadas eloquentementes pra impressionar sem parecer que tá se mostrando, assuntos como livros, filmes, terapia, trabalho, trabalho, trabalho, olhares não mais de admiração e sim de estudo, reuniõezinhas de amigos, muita coisa pensada. Mas eles não... eles estavam ali, se paquerando numa boa, naquele beija/não beija, encosta o corpo, afasta o corpo, bailando no metrô, ela com borboletas no estômago e ele pensando ou em sexo ou se namorava ou se não namorava ou se era melhor ele beijar ou não ou sei lá. Na prática, ele não tava fazendo muita coisa. Teve uma hora que deu vontade de ir lá e dar um pescotapa no sujeito e mandar "BEIJA A MINA, ZÉ RUELA!", ogro que sou, mas me recolhi à minha condição voyerística. A gente entrou na estação Clínicas, e isso já durava até a estação Brigadeiro. Como todo mundo costuma descer no Paraíso, fiquei ali torcendo pra que o beijo saísse. As portas se fecharam, e quando o metrô pegou velocidade e ela novamente chegou mais perto dele, encostou o corpo todo, olhou bem nos olhos dele, ele levou a mão até o rosto dela, segurou no queixo dela, apertou o queixo dela um pouquinho, deu uma balançadinha, sorriu e soltou. Sabe, aquelas balançadinhas tipo Hebe Camargo, "graciiiiiinha"? Pois é, dessas. Ela sorriu também se afastando dele e balançando a cabeça negativamente. Por mais sorriso que exista, uma negativa é sempre uma negativa, e quando o trem parou, ele se adiantou pra sair porta afora e ela deu aquele suspirão atrás dele, tipo "xé, criôlo difícil", hahaha.

Espero que dê tudo certo pra eles, que ele vença a timidez ou que ele, se não está, se apaixone por ela, ela por ele, namorem, noivem, casem, tenham filhos, netos, bisnetos e tudo o mais, e que o relacionamento deles não termine com um olho roxo e uma aliança atirada no vão dos trilhos do metrô.

Um ótimo ano pra todos!

Vou lá que a @fesanches, o @brunohazan, o @davidmlb, a @reginaschirmer e a Tarsila tão me esperando pra jantar. Só a Tarsila tem nome próprio, assim com letra maiúscula no começo. Viva ela!

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Foto: tirei no metrô, não sei quem são as pessoas.

Esse texto foi todo escrito no OmmWriter, programinha bem legal AQUI.

5 comentários:

maybe disse...

I'm appreciate your writing skill.Please keep on working hard.^^

Bruno disse...

Genial. Ainda não tinha lido esse. abção!

... disse...

Ótimo. Bastante romântico. Gosto disso...
Abraços

daniele disse...

ótimo, adorei!

Douglas disse...

Puxa, que texto mais interessante, pena ser tão MACHISTA.
Meu amigo Tim, você escreve tão bem, é tão educado, tem mãe, irmãs, sobrinhas etc como pode dizer que uma mulher merece apanhar?????? NUNCA, JAMAIS nada neste mundo justifica agressão física de um homem contra uma mulher. Como assim, se merecesse estaria com os dois olhos roxos????? Caiu no meu conceito hem machistão rsrsrsrsrs
Pense nisso camarada
Abraços!!!! E continuo insistindo: Seus textos tem de migrar do blog para um livro.
Abraços!!!!!