terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ô CRIANÇAS, ISSO É SÓ O FIM.


Afe, tô me sentindo uma tia velha. Uma Senhora de Santana. Na verdade, não tô entendendo mais nada. Tava vindo de Guarulhos, de manhã, e passando em frente ao Shopping Internacional Guarulhos, tá lá um cartaz gigante anunciando um filme. “Os Porralokinhas”. Tava meio sonolento, li “Os Porralokinhas”, passou batido, depois caiu a ficha. “OS PORRALOKINHAS”. Com letrinha cheia de movimento e colorida, pra criança. Me virei pra tentar ver de novo, mas o ônibus já tinha passado bastante do shopping. Fiquei com isso na cabeça, “Os Porralokinhas”. Pensei, não é possível. Cheguei na agência, procurei no Google, tava lá, Os Porralokinhas, dirigido por Lui Farias. Mas porra, PORRA não é palavrão? Liberou? Quer dizer, pra criança pelo menos? Eu falo porra pra caralho, aliás, eu falo muito palavrão, mas não é estranho um filme pra criança chamado Os Porralokinhas? Eu não sou um cara moralista, aliás, sou bem imoral, e nem sou defensor dos bons costumes tbm, até porque me comporto mal, encho a cara de vez em quando, já fumei maconha, já briguei, pego a mulherada... mas meu, “OS PORRALOKINHAS??” Dia desses tava numa praça e tava uma música sendo cantada, tocando no cd na maior altura por um bando de criança. “Tudo o que é perfeito a gente pega pelo braço, bota ela no meio, mete em cima mete em baixo. Depois de nove meses você vê o resultado.” Quer dizer, EU já fiz vááááárias vezes essa parada aí, inclusive curto muito, pegar ela no meio e meter em cima e... enfim, não importa, mas pô, um bando de criança cantando é foda! Outra vez tava passando em frente à um açougue, lá no meu bairro, e tava tocando na maior altura: “Tem que fazer valer, fazer valer, fazer valer na cama, tem que fazer gostoso, pro gozo virar lama.” Como assim??? Pro gozo virar lama??? Bela trepada, mas assim, na rua, na maior altura? Cheio de criança na rua? Fui pensando nisso a caminho de casa, pensando “ainda bem que não tem nenhum sobrinho meu aqui”, e quando eu chego em casa, minha sobrinha tá vendo o DVD!!! Calcinha Preta, o nome da banda! Com uma mulherada dançando no palco, dando uma abaixada que nem se eu pagasse em ouro eu conseguiria uma abaixada daquelas. Mulherada bem gostosa, diga-se de passagem. Mas pô!!!! Minha sobrinha assistindo!! Pedi pra tirar. Juro, fiquei com vergonha. Pode até parecer, e pode até aparecer alguém que diga que isso é parulha moralista, mas alguém me dá uma luz, sério, pq eu não tô querendo dar uma de santo, mas não sei o que pensar. A molecada não deveria estar cantando ou dançando essas músicas. Aliás, isso de cd gravado com criança cantando essas merdas é culpa de produtor imbecil louco pra ganhar dinheiro, e pais filhos das putas que... querem ganhar dinheiro tbm, vendendo o filho. Outra vez tava no metrô, e me entra uma mãe com uma menina de uns 4 anos. A mãe de cara limpa, mas a menininha tava mais maquiada que drag queen em dia de passeata GLBT. Muito, muito, muito ridículo, e ainda fode com a pele da criança. E a mãe lá, achando lindo o batonzão vermelho na cara da menina. E na televisão tá lá as mães dizendo que não, que se não deixam, a criança faz birra, dá escândalo... tem que deixar fazer o que quer. Minha infância foi ducaralho, inclusive pq se eu quisesse fazer o que queria, ficava de castigo. E se insistisse, tomava logo um tapão, e minha mãe nem bateu muito na gente, eu e meus irmãos. Tomei uma surra só, que me lembro. E foi genial pq eu e meus amigos ficávamos tentando comer as menininhas da colônia, perto do sítio onde eu morava, sem sucesso, óbvio. E olha no que me tornei. Um imoral. Até acho que vai se tornar normal um dia as crianças falarem um monte de palavrão, como o “caramba”, por exemplo. Deve ter sido um absurdo um adulto falar “caramba” em certa época, acho que deveria ter sido um palavrão tbm, assim como “porrada”, derivada da própria porra. E hoje é normal. Ser pego no meio desse processo é que é muito louco. Ahh sim, Os Porralokinhas. Daí cheguei na agência, procurei no Google pensando “deve ter alguém detonando”. Mas não, tá beleza, todo mundo falando que é a melhor opção pras férias da molecada. Tomara que seja mesmo, tomara que seja um bom filme pras crianças, a indústria cinematográfica, da qual eu um dia pretendo fazer parte, agradece. Só sei que se eu chegar em casa chamando meus sobrinhos pra assistir Os Porralokinhas, minha mãe me põe de castigo. Mesmo com 31 anos bem vividos, imoralmente falando. E se eu insistir e disser que é a melhor opção pras férias da molecada, periga eu tomar um tapão. E vocês?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

CARANGUÊJO BLUES


Fim de semana tava em Aracaju, a trabalho, e quando fomos jantar, a galera agitou de comer caranguejo. Firmeza, lá vamos nós. Depois de muito martelar a patinha do bicho pra extrair uma merrequinha de carne, fiquei pensando no primeiro cara que teve a idéia de comer um caranguejo. Deveria estar com uma fome da porra, sério, porque a parada é difícil, viu. Fico imaginando o sujeito andando há dias, só com uma garrafa, ou cantil d’água pra beber, um náufrago talvez, sei lá. Mas não tinha que ter nada pra comer, nada nada nada mesmo, nem mato, nem fruta, broto de bambu, zero. Daí então, brota o caranguejo da terra e o cara “ahhh, vai tu mesmo”. E outra, como ele fez pra comer também né? Porque hoje tem todo um aparato, os bichos vem com um martelo e uma pedra de mármore pra você descer o reio. Pei pei pei, martela martela martela, chupa a carne das pernas do coitado. O que já é bem estranho, já que comida normalmente vem com garfo e faca. Essa vem com um martelo e uma pedra. Isso hoje – imagina quando o primeiro cara resolveu comer um desses. Deve ter sido uma briga feia, viu, porque o bicho é bélico! Sério, se você não for na manha, ele te machuca, mesmo morto. A gente tava em 4, pedimos 8. É servido numa bandeja, vem com as patas todas pra cima, ameaçador mesmo, sem sacanagem. Casca dura da porra, e outra, tem uns espinhos na casca, se você pega ele meio sem jeito, ele te fura. “Se eles querem o meu sangue, terão o meu sangue só no fim”, é o lema do caranguejo. Morre atirando, macho pra caralho. Fora que ele vem te olhando nos olhos! Porque o bicho tem os olhos saltados normalmente, e quando o cozinheiro joga o bicho vivo na água fervente, deve saltar mais ainda, daí então estou eu arrancando a pata dele e ele olhando pra mim. Podia ouvir sua voz:
– Isso, safado. Arranca minha perna mesmo, martela minha pata. Você vai lembrar disso pro resto da vida. Meus olhos vão te seguir por toda a eternidade...
– Desculpa, senhor caranguejo, mas eu tenho que fazer a linha com o povo do trampo aqui!
– Politicians... the hell is yours.
O bicho deve ter evoluído pra caramba, deve ter elaborado sua carapaça pra se proteger dos predadores durante anos, e morre numa panela de água fervente, pra depois ainda ser martelado.
E isso eu tô falando das patas e da perna, hein, pq na hora de comer o corpo, é bizarro. E meu dupla falando normalmente:
– Tim, é assim: você abre o corpo no meio, mas tira esse negócio preto, porque é bosta. Depois tira esse negócio aqui, é o pulmão do bicho.
PORRA, BOSTA??? PULMÃO??? Tô fora. Na verdade, não vejo muito sentido em comer caranguejo, assim como não vejo sentido em comer um monte de outros bichos. Em casa a gente foi criado com Carne de vaca, porco, frango e peixe. Camarão, só comi na adolescência, que me lembro. Uma vez, depois de velho, fui comer prato com coelho, num restaurante. Não rolou, e eu morrendo de fome. Troquei o prato, pedi desculpa pra garçonete, paguei pelos dois. Cordeiro até vai tbm, ainda mais o do Jacaré, com um molho de hortelã que vem junto, bom demais viu. E outra, não tenho que tirar o pulmão dele pra comer. Quando você pede um bife, é um bife. Não dá pra associar muito com a forma viva do bicho, seja lá qual for. Uma coxa de frango talvez, mas uma bisteca com certeza não. Mas o caranguejo lá olhando pra tua cara enquanto você degusta sua pata, rapaz, tem que ter sangue frio. Comi meio só. Na verdade, comi duas patas e uma perna. Ainda bem que fui convencido a pedir um caldo de susuru também. Sauna individual via oral, o caldo de sururu. Bom que deu uma limpada no intestino, porque depois, de volta ao hotel, rapaz...

sábado, 10 de novembro de 2007

GOLF GTi


− Caraio, o bagúio trinca!
− O bagúio é lôco!
− Chapado!
− Né não? Falaí?
− Regaçô, Jão!
− Só dá nóis agora!
− Tirano mó onda na quebrada!
− E cêis não sabe do melhor, truta, dá um ligo!
− Caraaaaaaaio!!!
− Mano, trinquei agora!
− Tá mitido, Jão!
− Pavorei, né não!
− Poooorra!
− Liga aí o bagúio pra nóis vê!
− Então, num comprei nada ainda! Vim direto pra cá!
− Carai, que vacilo! O Céza tem um lá, pega lá, Céza!
− Peraí, rapidim!
− Vixe, as mina vão caí matando agora, lôco!
− Agora é só praia, fí!
− Pegaí!
− Põe aí!
− Peraí, entraí! Liga só!
− O som é bão?
− Vixe, cê vai vê! Que porra é essa?
− 100% Black. Original, trú! Paguei 50 conto!
− Podicrê, liga só, os botão é na telinha, que nem no Itaú!
− Podicrê, puta banco nóia do caraio! Põe cartão, digita senha,
digita número de cartão, digita mêis, ano, dia, o caraio a quatro,
põe cartão dinovo... tomá no cu!
− Cadê, vai funcioná?
− Peraí, trú, o bagúio ta leno! Alá!
− Caraaaio, bem lôco!
− Vixe, dêxaquéto!
− Falaí! Liga só! É só clip, Céza?
− É, nos extra tem uns show também!
− Podicrê!
− Aumenta aí o bagúio!
− Eita caraio!!
− Pagô quanto, Jão?
− 30 conto...
− Caraio, e o dvd?
− Mais 4 conto...
−Carái!
− Foda lôco, 6 ano juntano grana,mas falei “vô comprá o bagúio”,
fiz hora extra pra caraio, dei uns trampo por fora, num gastei com balada,
nem ropa, nada!... só pra ajudá em casa memo, e óia lá, mas comprei
o bagúio!
− Pô, firmeza memo, Jão, Deus ajuda, mano!
− Podicrê trú, só por Ele.
− Aí, vamo dá um rolê na 9! Os moleque tão fazendo um samba lá, pá de mina!
− Vamaí!
− Entraí!
− Aumentaí!
− Vai pela 12 e pega a pista, vai até o escadão pra dá um esticão!
− Podicrê Jão!
− Falô!
− Celera, Jão!
− Caraio!!!!
− Eita pêga, grudei no banco, lôco!
− Dá um gáiz, Jão!
− Demorô!
− 150, lôco!
− 160, Jão!
− 170, caraio!!!!
− Ihh caraio!
− Ihh mano, os coxinha...
− Sifudê viu!
− Blitz aqui, mano!? Nuncaví!
− Alá, mandô pará!
− Iiiihhh, começô...
− Lá vamo nóis...
− Desce do carro, mãos na cabeça!
− Mãos no teto, abre as pernas!
− Documento e habilitação!
− Vocês dois, documentos!
− Tá fugindo do que, muleque? Cê é ladrão?
− Não sinhô.
− Cê viu a quanto cê tava, moleque?
− Sinsinhô!
− E quanto é o limite aqui?
− Sei não sinhô!
− 100 no máximo. Cê tava a quanto?
− 170, acho...
− Cê é lôco, muleque?
− Tava só testano, sinhô, acabei de comprá.
− Tá no seu nome?
− Já tá já.
− Tá licenciado?
− Sinsinhô.
− Vô averiguar, se não tiver...
− Não sinhô, tá tudo certinho...
− Aí, consultei, tá tudo certo. Mas cê tava a 170, vou ter que multar.
− Pô, logo de cara? Tava só testano, sinhô! Quantoé a multa?
− Vixe, o limite é 100, cê tava a 170, mano... vai dar uns 800 conto, mais
uns 7 pontos na carteira... fora esse dvd aí. Tá ligado que é proibido, né?
− Ahhh não, mano, primeiro dia??
− Ahh, posso fazer nada, tenho que multar...
− Caraio... aí, posso fazer uma pergunta?
− Se for a pergunta certa...
− ... dá pra resolver de outra maneira não?
− Sempre dá, né mano... Tô na maior sede, dexa uma coca aí.
− Quanto é a coca?
− Uns 50 conto.
− Caraio... firmeza.
− Aí, vou liberar dessa vez, hein, mas desacelera.
− Coxinha do caraio! Tomara que ele se afogue na coca!
− Passa fome!
− Caraio, sifudeu hein, Jão!
− É, idéia ducêis, só me fodo!
− Ahh, nóis ia sabê?
− Vamo pra 9 direto.
− Carai, tá lotado!
− Quem tá tocano aí?
− Os muleque lá da 2.
− Podicrê, pá de mina.
− Carai Jão, lançô o bagúio??
− Porra, num falei, trú?
− Aê Jão, pagano de gatão?
− Vixe, aí, acabei de me fudê ali, tomei bonde de 50 conto dos home.
− Mais já? Carai, os mano não perde tempo!
− Sua irmã tá lá na frente.
− Cadê, vô mostrá pra ela! Pô, nem passei em casa, lôco! Simone!!!
− E aí, pegou?
− Peguei, liga só!
− Caramba! Que demais!!! Cê mostrou pra mãe?
− Mostrei nada, encontrei o Céza e o Marquim e vim direto pra cá.
− Cê é foda também, ela tá ansiosa!
− Vô ligá! Mãe, peguei, tô com a Si aqui no samba, daqui a pouco vou pra casa!
− Ai, que bom meu filho, olha, se cuida, não fica dando mole por aí não!
− Pódexá, beijo!
− Beijo, vem logo pra casa!
− Tá bão, tchau!
− Tchau!
− Cadê as mina?
− Tá tudo ali na frente.
− A Sara tá lá?
− Cê acha que não?
− Vixe, é agora...
− E aí?
− Oi...
− Oi...
− Beleza?
− Oi...
− Tudo bem?
− Melhor agora...
− Num tá bebendo?
− Não, regime...
− Mas vc não precisa, vai ficar sem graça...
− Nada, preciso de 5 a menos...
− Eu num acho, vc é perfeita pra mim...
− Haha, sempre cheio de conversinha...
− Nada, meu papo é sério.
− Quando vc vai parar?
− Quando vc desarmá.
− Ixi, então vai demorar.
− Então vou insistir e esperar.
− Porra, hoje você já chegou chegando, hein?
− Num tenho mais tempo pra perder.
− E você acha que é assim, vai chegando e levando?
− Claro que não, mas vou chegando e convidando.
− Convidando pra que?
− Pra um cinema amanhã, pra nóis conversá.
− Conversá o que?
− Sobre eu e você.
− E o que tem eu e você?
− Nada, e é isso que a gente precisa remediar.
− Tá doente?
− Tô e é por você, cê tá ligada.
− É.. mas não vou, não.
− E por que não?
− Por que não!
− E por que não um sim?
− Por que um sim não.
− Por que sim, sim!
− Por que sim, não!
− E por que sim, não?
− Por que não!
− E por que não?
− Ahhhh, tá bom! Pára! Tá bom, eu vou ao cinema com você!
− Vixe, firmeza!
− Mas nem pensar em pegar na minha mão!
− Aí, é vc quem tá pegando na minha mão.
− Mas quem mandou você me trazer pra assistir filme de terror?
− Não, por mim tá beleza, pode pegar na minha mão.
− Mas é só por causa do filme.
− Tô sabendo...
− Ixi, começou. Convencido...
− Cê sabe que não.
− Metido...
− Pode parar, isso não é verdade.
− Ainda mais com esse carro agora...
− Sabe que quando eu peguei ele, só pensava em você do meu lado?
− Fala sério...
− Shhhhhhhhhhh!!!!!
− Pô, Sara, dá uma chance...
− Pra que você quer namorar comigo, Jão?
− Pra que? Ué, pra que... por que eu gosto de você, ué!
− E por que você gosta de mim?
− Por que? Uai, como assim, por que? Eu sei lá!
Gosto de você e pronto, ué! Num tem assim um por que...
− E outra, com esse carro agora, com dvd e o cacete, vc vai despirocar de vez,
vai querer sair pra balada direto, sair com seus amigos, viajar...
− É, mas tudo isso com você!
− Vai nada, eu vou acabar ficando em segundo plano. Vai sair
do trabalho, vai beber com os amigos, sei bem como é que é.
Depois pega a mulherada no bar, vai pra night, e eu, em casa.
− Mas eu comprei o carro pensando em você!
− Pois é. Desculpa, Jão, mas não vai dar não.
Não quero perder pro seu carro.
− Mas, mas... pô, e se eu não tivesse o carro?
− Aí eu poderia pensar.
− Mas tô a mó cara falando que gosto de você, antes deu comprá o carro!
− Não, você tá a mó cara com conversinha fiada. Só hoje que
você resolveu falar sério. Nunca me chamou pra sair, nunca me chamou pro cinema. Eu poderia ter ido de ônibus mesmo. Mas...
− Mas o que?
− Você achou o que, que eu cairia matando em você por causa do carro?
− Não, mas...
− Tá me tirando de maria gazolina?
− Não, pô, Sara, meu...
− Se liga, Jão, se você tivesse tomado atitude decente antes,
a gente já tava namorando faz tempo.
− Pô, mas...
− Tchau, Jão, boa sorte com seu carro.
− Caraio, mano, puta mina lôca!
− Tá veno, mano, vai entender cabeça de muié!
− E ela fez o que?
− Bateu a porta vazou.
− Ihh caraio, não quer namorar você por causa do carro?
− Mano, nem me pergunta, num tô entendeno nada.
− Podicrê, mas e aí, já sentiu a muierada?
− Ixi, mano, as mina paga um pau!
− Vamo colá no bar hoje?
− Ahh, a minazinha me deu um pé, né mano? Fazê o que? Vamulá!
− Vixe, lôco, cê viu quando a gente chegou?
− Cê viu as mina?
− Tinha trêis alí que mano...
− Vixe nossa...
− E aí Jão, e aí Celso?
− Firmeza trú?
− Firmeza, aí Jão, tem uma mina ali que pagou pucê mano.
− Vixe, demorô, amiga sua?
− É, aquela morena ali de saia preta, Luana.
− É só chegar?
− Aí é com você né, truta!
− Vô lá trocá idéia.
− E aí Jão, constô?
− Ôpa, lôco! É nóis! Hoje pra ela tá embaçado, mas trocamo telefone.
− Fim de semana..
− Se marcar até antes. Mano, vô dá linha.
− Caraio Jão, já? Faz um tempo aí!
− Nada, amanhã tem trampo pra caraio, cê tá ligado.
− Podicrê, vou dar mais uma horinha aqui, amanhã, só freshpauer!
− Firmeza, abraço.
− Vai na fé.
− Aí boy, nem se mexe, só dirige.
− Carai!
− Nóis só qué dinheiro, num é nada cucê não.
− Mas não tenho dinheiro não, truta!
− E eu lá sou teu truta, lôco? Te conheço?
− Não mano, mas...
− Mas é o caraio, boy, num tem mais nem menos. Dá a cartera.
− Tá aí no painel.
− Só isso, muleque?
− Só.
− Vai pro banco, acha um antes das dez, senão só saca cem conto.
− Ccccaraio...
− Aí mano, tá nervoso?
− Ah mano, cê tá com um oitão na minha cabeça!
− Nóis só qué dinheiro só, boy. Num vamo fazê nada cucê não. Vamo trocá idéia.
− Mano, na boa, não sou boy não.
− Num é? Cum esse carro aqui? Cum dvd? Aí, cê mora onde?
− No Adriana.
− Nem fudeno.
− Sério mano.
− E como se comprou esse carro aqui?
− Seis ano juntano grana.
− Podicrê. Tomara que tenha sobrado algum pra nóis. Aí mano,
que time cê torce?
− Time?
− É?
− Que time eu torço?
− É caraio!
− Porra mano... isso é pergunta?
− Falaí truta! Cê é meu truta agora.
− Caraio mano! Mano...
− Que time cê torce, lôco!?
− Porra... Sssssão Ppppaulo...
− Podicrê, aí sou sãopaulino também! O cuzão aí atrás é porco.
− É sô palmerense memo, mano. Aí, alguma coisa contra, boy?
− Não, mano, nada...
− Como nada, truta? Palmerense é tudo cuzão. Né não?
− Aí, cê acha que eu sou cuzão, mano?
− Caraio, Jão!
− Dá pra botar fé, mano?
− Putaqueopariu! Segundona, depois que cê saiu de lá?
− É mano. Tomá no cu, viu! Puta perrengue do caraio!
− E o cara perguntou pra que time cê torcia?
− É!!! Mano, tranquei o cu nessa hora! Graças a Deus o mano era sãopaulino também. Fiquei pensando, “caraio, e agora, que que eu falo...” E o mano de trás, palmeirense! E o Mano da frente zuano o maluco de trás, e o maluco de trás ficano injuriado comigo!!!
− Rárárá! E aí?
− Aí o mano me levou no banco e sacou 600 conto, tinha uns 30 conto, e ele sacou o limite. O limite, mano, tomá no cú!
− Caraio...
− Não, e ficou me chamando de boy ainda! Aí eu disse que morava no Adriana, e ele disse que então eu era truta dele agora, vai veno. Mandou eu dá um abraço em todo mundo lá, óia!
− Que fita, mano!
− Caraio... sifudê viu.
− Mas e aí, ligou pra mina lá?
− Então lôco, liguei. Trocamo mó idéia, a mina é a pampa, mó gostosa, marcamo sabadão, vou fazer mó esquema. Jantá e tal, depois dançá, depois lôco, só sexo até de manhã. Domingão já tô até veno, dormir até 6 da tarde.
− Acorda, filho! Vamos, cê tem que me ajudar.
− Ahh não não não não mãe.... mãe... não...
− Vai, levanta, preciso ir na feira, tenho que comprar as coisas.
− Que horas são?
− 10 horas já.
− Ahh mãe, feira meu...
− É, o sol tá muito quente, e eu tenho que comprá um monte de coisa, anda, levanta.
− Cadê a Simone, pede pra ela te ajudar.
− Ensina ela a dirigir que ela ajuda.
− Nem fudeno.
− Olha a boca...
− Desculpa mãe, bença.
− Deus te abençoe.
− Pois é, lôco, feira. Agora tenho que levar minha mãe pra feira.
− Dormir até tarde no domingo...
− Ixi, nem pensar. E tem mais, mano. Sabadão também! É levar mãe pro
mercado, pra casa da tia, é irmã que pede carona pra não sei onde... porra...
− Que treta, Jão. E ele bebe muito?
− Mano, nem penso nisso, quando a gazolina acaba, meto o cartão, encho o tanque e foda-se. Depois me viro pra pagá.
− Podicrê. E o trampo, tranquilo.
− Na boa, dando pra levá. Aliás, aí, vô durmi que amanhã tem mais. Abraço!!
− Firmeza, abraço.
− Caraio, mano! Putaqueupariu!
− Que merda, Jão. Buraco?
− Puta buracão da porra, mano!
− E aí?
− Fudeu logo a roda. A roda e o pneu.
− Quanto será que é, Jão?
− Tudo isso, mano???
− É, mais alinhamento e balanceamento.
− Caraio... mas cê tem dessa roda memo? Mesmo aro e pneu?
− Sim senhor, da mesma, mesma marca e tudo...
− Caraio...
− ...Jão, e aí, mano?
− Ahh, mandei parcelar em 10x no cartão e foda-se. Vou ficar com o bagúio zuado?
− Só prejú, em Jão?
− Mano, nem fala.
− Cê pôis no seguro?
− Puis nada mano, meti uma pá de alarme e seja o que Deus quiser.
− Podicrê. Lá vem o seu Rocha. Tá meio puto cucê.
− Purquê, mano?
− Você saiu pra almoçar e não voltou mais, Jão!
− Mas seu Rocha, eu fui arrumar o carro! Tentei avisar, o senhor não tav...
− Não interessa, Jão, cê é cheio de conversinha... depois que comprou esse carro... porra de dvd e o caraio...
− Que que eu fiz depois que eu comprei o carro, seu Rocha?
− Você tem dado várias mancadinhas que enchem o saco.
− Que mancadas? Falaí quais então?
− Ahhh, são tantas que eu não lembro agora. Mas a próxima...
− A próxima o que?
− Na próxima te mando embora!
− Que manda embora o caraio! O senhor vive falando isso! Tá injuriado porque trabalha aqui uma puta cara e não tem um carro igual o meu.
− Grande bosta seu carro! Se eu quiser, compro dois dessa porcaria!
− Então compra, mano, vai se fuder!
− O que, moleque???
− Vai-se-fuder, mano!!
− Ahh é?? Pois tá despedido!!
− Ahh é?? Então vai tomar no cu!
− Ahh é?? Então tá despedido por justa causa!
− Ahh é?? Então toma!
− Caraio, Jão!!! Na cara?
− Bem no zóio, mano! Caiu lá que nem merda.
− HUAHUAHUA!!! Cê é lôco, mano??
− Ahh mano, fiquei injuriado! O cara vai falá que eu dava mancada? Trampo pa caraio lá mano, chego cedo, saio tarde. Véio invejoso do caraio!
− E aí, mano?
− Ahh, sei lá. Mano, minha mãe falou um monte. E cê nem sabe, mano. Chegou os aviso de licenciamento, IPVA e o caraio a quatro. Dinheiro pa caraio, Céza. Fudeu, mano.
− Ixi, mano, justa causa agora, que cê vai fazê?
− Ahh mano, tenho uma merreca guardada, tá ligado?
− Dá pra pagar?
− Não, e não vou pagar não. Sabe o que vou fazê? Vou passá 5 dia na praia, mano. Vô dá uma relaxada que eu tô muito estressado.
− Desce, desce, desce mano, vai boy, caraio!!!!!
− Peraí mano, dêxa eu soltá o cinto!
− Vixe, fizemo a boa, lôco, esse tem dvd e o caraio!
− Vai logo, caraio!!! Tem alarme???
− Não!
− Não memo, mano??? Certeza??? Mano, vô te dá um tiro!
− Tem sim, tem sim, toma aqui o bagúio!
− Aê, tá me tirando, filhadaputa??? Toma!
− Caraio, peraí mano, tô te dando o bagúio, pode levá!
− Todo mundo, mão pra cabeça!
− Parados!
− Caraio mano, os hóme!
− Segura essa porra, muleque!
− Hããã??
− Aí seu guarda, ele que tá assaltano nóis!
− Quê???
− Saltem as armas!!! Mãos pra cabeça!
− Não seu guarda, eu sou o dono do carro!!
− Solta a arma!!!
− Soltei mano!!!
− Muleque fiadaputa! Aí, vamo mandá pra cima dos coxinha!!
− Caraio mano!!!
− Corre, truta!!
− Parados!!!!
− Paraí!!!
− Toma, coxinha do féladaputa!
− Caraio, Jão!!! Sapecaram os home?
− Vai veno, mano, que treta.
− E aí?
− Liga só: eram trêis cara. Mataro um, acertaro outro e pegaro outro sem acertá nada memo. E eu, quando o bicho começo pegá, pum pra dentro do carro.
− Mano, que fita!
− Não, vai veno! Daí me tiraro lá de dentro né, e eu com o cu na mão.
− Eu sou o dono do carro, sou o dono do carro.
− Vamo vê. Documentos, seu e do carro. Se você não for, vai morrê aqui memo.
− Pode puxar lá, sinhô! (Mano, tava tremeno, tá ligado?)
− Aí muleque, firmeza. Bate tudo, mas vai ter que ir cunóis pra delegacia servir de testemunha.
− Caraio, e aí?
− Ahh, fazê o que, mano, fui, né? Fizeram uma pá de pergunta, respondi tudo, quando tava saindo fora, o delegado:
− Você pode ir, o carro fica.
− Porque, dotô??
− Documentação irregular, seguro obrigatório atrasado, carro não licenciado, IPVA não tá pago. Fora o dvd, que é proibido. Vai pro pátio.
− Daí pensei bem... olhei bem pra cara do delegado e falei assim: “Aí dotô, na boa, qué comprá essa porra?”
− Caraio, Jão!! E aí???
− Vendi aquela porra.
− Vendeu???
− Vendi.
− Vendeu o bagúio???
− Vendi, caraio!!!
− Vendeu pra quem?
− Pro delegado, caraio!!!
− Tá mi zuano, Jão!
− Sério, caraio!
− Mano, cê é lôco??
− Ahhh mano, puta carro pra dá prejú du caraio, carro zicado da porra!
− Mas como cê vendeu pro delega, mano?!?
− Ahh, ofereci, o mano deu uma olhada, deu um rolê, perguntô “Quanto?”
− Eu, “30 conto leva, o memo que eu paguei”.
− Tá lôco. 30 você pagou um ano atrás, fora documentação atrasada que eu vou ter que fazer.
− É, mas tem dvd...
− Dvd é proibido, caraio!!!
− Sim sinhô.
− Dou 24 nele.
− Mano, isso é roubo!
− Quê que cê falou, muleque????
− Nada não sinhô, 24 tá bem pago.
− Vendeu por 24 conto???
− Ahh, mano, queria me livrá logo daquela porra.
− Prejú de 10 conto, mano!
− Ahh, que se foda.
− Caraio... tá a pé, agora.
− A pé o caraio, liga só.
− CARAIO, JÃO!!!!!
− Falaí!
− Mano!!!
− Lôco, né não?
− Porra!!! Comprô quando?
− Ahh mano, assim que eu peguei a grana do delega, fui lá e pá! Na hora!
− Caraio, que ano é?
− 76, lôco. Sem essa de IPVA. Liga só, chapa preta, tudo original! Banco inteiriço, câmbio do lado do volante, motorzão V oitão!
− Quanto, Jão?
− 15 conto!
− Porra, firmeza, sobrou 9 conto ainda.
− Nada, fiz mais um esquema. Liga só lá dentro.
− Eita porra! Chevetão???
− É mano, pra minha irmã. 3 conto, rárárá! Ela que se vire com feira, mercado, tia e o caraio a quatro com a minha mãe agora. Tô fora, trú!
− Caraio, muito lôco! Aí, vamo dá um rolê!
− Entraí!
− Peraí, cadê o dvd?
− Dvd o caraio, mano, é nóis na fita!

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

EU TE AMO NÃO É BOM DIA.



Renato conheceu Camila em um bar, no aniversário de um amigo em comum. Ocorreu tudo do jeito mais trivial, como na maioria dos casos: foram apresentados, ele ficou conversando com seus amigos, ela com os amigos dela, e na medida em que as pessoas foram indo embora, e a mesa se esvaziando, eles foram chegando mais perto um do outro. Ao final, restavam poucas pessoas, e eles se sentaram um ao lado do outro, conversaram animadamente sobre os filmes que viram, sobre bandas que ouviram, os livros que leram, viagens que fizeram e sobre o amigo em comum, no caso, David. Trocaram telefone, ficaram de se ligar, sondaram com os amigos um sobre o outro, foram incentivados, “ele é legal”, “ela é um doce”, “ahh, ele é um tesãozinho, vai”, “meu, ela é gostosinha, hein...”.

– Alô?
– Camila?
– Oi...!
– Tudo bom? É Renato...
– Oi, eu vi aqui... olha, tô entrando em uma reunião agora... posso retornar pra você?
– Ahh sim, claro, desculpa...
– Não, magina, prometo que eu te ligo...
– Ok, até mais...
– Beijo.
– Beijo.

– Ai, era ele?
– Ai, era...
– Ai Camila, desculpa, mas a gente não pode atrasar...
– Ai, tô até tremendo...
– Ai, fiquei mal agora
– Ai, eu tô mó feliz!

– E aí, ligou?
– Então, liguei.
– E aí, rolou?
– Então, tomei foi uma bicuda né... o velho truque do “tô entrando em reunião, posso te retornar? Prometo que te ligo.”
– E aí?, prometo que te ligo é foda, hein...
– Então, pois é.


– Alô?
– Renato?
– Oi...!
– Tudo bom? É Camila...
– Oi, eu vi aqui... que surpresa!
– Ué, não disse que te retornava?
– Sim mas... sabe como é... achei que era o velho truque da reunião e “prometo que te ligo depois”...
– Heh. Sei como é. Mas eu tinha mesmo que entrar em uma reunião com um cliente, e minha chefe tava me acelerando.
– Que bom! Que bom...
– Então, queria falar comigo?
– Sim! Éééé... sim, eu, ééé... tudo bom?

É sempre foda retomar uma conversa que foi ensaiada pra ser improvisada.

– Mas e aí, o que você queria tanto me falar?
– Então, é... bem... quersecasarcomigo?
– Que?!?!?!
– É sério - ele disse, mostrando um anel de brilhantes, e finalizando o uiscão -, pô, a gente já tá junto há dois anos, e
– Quero! Porra... você é maluco, nossa! Anel de brilhante? Haha! Afe, nem sinto minhas pernas!

O beijo pareceu durar mais do que os dois anos de namoro, e continuaram se beijando até nascer a primeira filha, Juliana. E também quando nasceu Mateus, mas o beijo foi mais forte e o abraço mais apertado quando Aninha não nasceu, levando com ela o útero de Camila, e com ele, a possibilidade de tentarem mais filhos. As mãos pareciam coladas uma à outra quando Renato ficou quase um ano desempregado, e nem quando Camila também ficou desempregada elas se soltaram. Suas mãos aceitaram a edícula dos sogros, grana dos irmãos, rango dos tios, carinho das tias. Só se soltaram para bater palmas para a Juliana, quando ela se formou na oitava série; e quando Mateus ganhou seu primeiro campeonato de futebol elas também se soltaram, mas logo se reencontraram em uma braço conjunto, os quatro. Juliana achava um mico total o abraço em família no final do campeonato, “ainda mais com Flavinho vendo tudo, ai que vergonha”, mas era importante pra mãe e pro pai, então tá bom.
Um dia, outra mulher quase acabou com o casamento. Não, Camila não descobriu, mas Renato se sentiu um merda por muito, muito tempo. Não comprou flores a mais para Camila, e nem a chamou pra mais jantares ou lhe deu mais presentes do que o normal, afinal, como ele tinha lido numa dessas revistas, isso pode fazer com que a mulher desconfie, mas doía. Porra, se doía. Prometeu nunca mais olhar pra outra mulher na vida, nem quando Camila confessou, aos prantos, que tinha beijado um outro homem em uma festa, que tinha ido com as amigas numa dessas excursões só para mulheres. Estava meio alta, tinha dado um tapinha num baseado, e ele era tão bonito, olha, não que você não seja bonito, mas ele era todo malhado, ai, não que você tenha um corpo feio, ai, e ele era tão novinho, ai, não tô te chamando de velho, ai, não sei o que falar, mas peloamordeDeus, não foi nada além disso, juro que
– Tudo bem.
– Ãhn!?
– Tudo bem, não tem problema, sério.
– Sério!?
– Sério, você tava meio alta, tinha dado um tapa num baseado, o menino era malhado, você tava fora de si, |e outra, na verdade o filho da puta sou eu, porque enquanto você só deu um beijo nesse cara, eu comi uma outra qualquer de tudo quanto foi jeito e nunca tive metade do caráter e da coragem que você está mostrando agora, e só o que eu posso fazer é te agradecer por confiar em mim, continuar me sentindo um puta dum covarde, porque não vou te contar mesmo, e ainda nego se te contarem|, e eu te admiro muito por me contar. Você é foda, que bom que eu te pedi em casamento. E isso foi quase um novo pedido de casamento, acompanhado de uma nova lua de mel e novas toalhas molhadas em cima da cama, chinelos espalhados pela casa, calcinhas penduradas no registro do chuveiro, papel higiênico saindo pra cima, papel higiênico saindo pra baixo, peidos quando estão dormindo, almoços com sogras, com sogros, com sobrinhos, primos, tios, tias, sexo animal uma vez por semana, sexo quietinho, quando dava, no resto da semana, dores de cabeças, futebol aos domingos, ciúme no mercado, absorventes rubros, tpm, porra!, já falei pra não deixar toalha molhada na cama!, porra!, tpm é foda!, porra!, não põe culpa na tpm não, você sempre faz isso Renato!, porra!, eu esqueço, custa pegar essa merda e colocar sei lá onde?, porra!, custa você colocar essa merda sei lá onde antes de colocar na cama?, porra!, você tá chata pra caralho, vai se foder!, porra, não manda eu me foder não Renato, não fala assim comigo, me respeita, eu sou sua mulher, porra Camila, não chora, desculpa, foi sem querer, foi mal, não queria dizer isso não, porra Renato, eu tô sensível, não fala assim meu, você sabe que tpm é foda...
Um dia, Seu Renato terminou de calçar os sapatos, desceu as escadas, tomou só um café preto, como sempre fazia, abriu o jornal na página de esportes e ficou esperando Dona Camila descer para irem juntos à feira. Ela terminou de escovar os cabelos, passou só um batonzinho, colocou uma roupa mais bonitinha, e quando chegou na cozinha, Seu Renato lhe disse “Eu te amo”, antes de dar bom dia. E ficou olhando pra ela, espantado, sem saber direito se tinha falado mesmo o que falou. Era pra ele ter dado Bom dia, ou Bom dia amor, mas saiu Eu te amo. Dona Camila ficou parada, quase em estado de choque, olhando para Seu Renato como quem viu um extraterrestre sentado em uma cadeira na cozinha lendo o jornal de esportes.
– Desculpa? Não entendi...
– Eu te amo.
– Sim, eu ouvi, mas...
– É, é estranho... era pra eu ter dado Bom dia, mas saiu Eu te amo.
– Pois é, eu desci tão animada pra receber um Bom dia, e você me manda um Eu te amo, afe, até acordei.
– Então, é esquisito, porque... heh... quer dizer, eu te amo, sempre te amei e
– Que?? Repete!
– Eu te amo, sempre te amei.
– Ôxe! Ôxe ôxe, que estranho! Porque você nunca me disse?
– Porra, sei lá, esqueci... e você, não me ama?
– Amo! Quer dizer, amo claro, é que já se passaram tantos anos, Juliana já tá casada, Mateus já tem filho, a gente já é avô, e agora que você falou foi que me dei conta...
– Então, pois é. Por isso que eu esqueci, e nossa vida foi sempre tão corrida, né?
– É, então, é estranho ouvir isso depois de sei lá quantos anos.
– Mas ó, eu te amo, sempre te amei e sempre vou te amar
– Aiaiaiai pára! Pára que tá aumentando, era só presente, depois foi passado e agora já tá no futuro, credo!
– Tá bom, desculpa, hehehe! Eu, hein...
– Arre, vamos parar de bobagens e vamos pra feira logo senão os pêssegos fica tudo ruim. E ó, promete uma coisa?
– Quê?
– Nunca mais diz que me ama?
– Hah, porra!, prometo fácil.

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Foto: Jack Nicholson e Diane Keaton em "Alguém Tem Que Ceder."

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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

SE AS MENINAS DO LEBLON NAO OLHAM MAIS PRA MIM...


Esses aí são meus óculos. Se vocês estranharam, sim, meus óculos são pernetas. E não adianta, viu, não vou consertar essa porra. Foda-se. Até porque, todo mundo me conhece assim já, com os óculos quebrados, e se eu trocar a armação, pode acontecer de ninguém mais me reconhecer. E outra, não conserto porque não tem conserto mesmo. E se eu comprar outra armação, eu vou quebrá-la novamente (quebrei cinco em 1 ano), então é isso aí, fita isolante é mais barato. E pra dar uma tapeada, emendei com fita isolante a perna quebrada e coloquei fita isolante do outro lado também, pra dar uma simetria. Ficou bom. Mas o lance é que eu gosto desses óculos, ele já tem história, e seria uma puta traição trocar eles por outro novinho. Parece aqueles caras que trocam uma de 50 por duas de 25. Nós já passamos por muitas coisas juntos, esses óculos já viram muitas coisas, eu, ele e minha bolsa Adidas preta. Com o tempo, esses objetos vão tomando significados na vida da gente, e vão criando vida própria, uma simbiose. Objetos parasitas. Lembro que quando eu tinha o Chevetão eu nunca deixava minha bolsa dentro. O carro era todo ferrado, não fechava, eu deixava na rua aberto, ficava a noite toda lá. Mas a bolsa eu tirava. Que roubem o carro, a bolsa não. Comprei os óculos em 2003, e a bolsa em 2002. Certa feita, um mês talvez, depois que eu comprei os óculos, tava sentado na minha mesa, criando um anúncio sei lá pra que, toca o telefone.
– Tim, pode vir aqui na salinha 3, por favor, querido?
Meu chefe chamava todo mundo de querido, meu amor, lindo, chamava por diminutivo... nem era viado não, mas era "carinhoso" assim. Heh. Fui lá.
– Oi, chamou?
– Então, Tim, puxa uma cadeira, senta aí. Bom, você sabe que a agência tá passando por uma reestruturação, né? Tem essa fusão vindo aí, virão pessoas da outra agência que não podem ser mandadas embora por contrato, daí já viu...
– É, eu sei como é, meio que já tava esperando...
– Mas Tim, olha, fica tranquilo viu, porque eu tenho certeza que eu tô demitindo um cara que vai se recolocar logo no mercado, porque seu trabalho é bom, e tem mais, eu, EU, pessoalmente, vou ligar pras pessoas e te indicar. Essa indicação pode ou não te dar um emprego, mas você é novo, tem um trabalho legal, e outra, as pessoas gostam de caras assim que nem você que... que... que... – nessa parte, enquanto falava "que.. que... que...", balançava a mão pra cima e pra baixo, apontando pra mim – Enfim, as pessoas gostam de caras como você, que usam esses óculos.

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Não dava pra deixar um post-it no meu monitor? "Tim, tá demitido".

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Peguei meus óculos, minha bolsa preta, e rapei fora.
Ele me indicou realmente, que se faça justiça. E não, não consegui o emprego.