sexta-feira, 2 de novembro de 2007

EU TE AMO NÃO É BOM DIA.



Renato conheceu Camila em um bar, no aniversário de um amigo em comum. Ocorreu tudo do jeito mais trivial, como na maioria dos casos: foram apresentados, ele ficou conversando com seus amigos, ela com os amigos dela, e na medida em que as pessoas foram indo embora, e a mesa se esvaziando, eles foram chegando mais perto um do outro. Ao final, restavam poucas pessoas, e eles se sentaram um ao lado do outro, conversaram animadamente sobre os filmes que viram, sobre bandas que ouviram, os livros que leram, viagens que fizeram e sobre o amigo em comum, no caso, David. Trocaram telefone, ficaram de se ligar, sondaram com os amigos um sobre o outro, foram incentivados, “ele é legal”, “ela é um doce”, “ahh, ele é um tesãozinho, vai”, “meu, ela é gostosinha, hein...”.

– Alô?
– Camila?
– Oi...!
– Tudo bom? É Renato...
– Oi, eu vi aqui... olha, tô entrando em uma reunião agora... posso retornar pra você?
– Ahh sim, claro, desculpa...
– Não, magina, prometo que eu te ligo...
– Ok, até mais...
– Beijo.
– Beijo.

– Ai, era ele?
– Ai, era...
– Ai Camila, desculpa, mas a gente não pode atrasar...
– Ai, tô até tremendo...
– Ai, fiquei mal agora
– Ai, eu tô mó feliz!

– E aí, ligou?
– Então, liguei.
– E aí, rolou?
– Então, tomei foi uma bicuda né... o velho truque do “tô entrando em reunião, posso te retornar? Prometo que te ligo.”
– E aí?, prometo que te ligo é foda, hein...
– Então, pois é.


– Alô?
– Renato?
– Oi...!
– Tudo bom? É Camila...
– Oi, eu vi aqui... que surpresa!
– Ué, não disse que te retornava?
– Sim mas... sabe como é... achei que era o velho truque da reunião e “prometo que te ligo depois”...
– Heh. Sei como é. Mas eu tinha mesmo que entrar em uma reunião com um cliente, e minha chefe tava me acelerando.
– Que bom! Que bom...
– Então, queria falar comigo?
– Sim! Éééé... sim, eu, ééé... tudo bom?

É sempre foda retomar uma conversa que foi ensaiada pra ser improvisada.

– Mas e aí, o que você queria tanto me falar?
– Então, é... bem... quersecasarcomigo?
– Que?!?!?!
– É sério - ele disse, mostrando um anel de brilhantes, e finalizando o uiscão -, pô, a gente já tá junto há dois anos, e
– Quero! Porra... você é maluco, nossa! Anel de brilhante? Haha! Afe, nem sinto minhas pernas!

O beijo pareceu durar mais do que os dois anos de namoro, e continuaram se beijando até nascer a primeira filha, Juliana. E também quando nasceu Mateus, mas o beijo foi mais forte e o abraço mais apertado quando Aninha não nasceu, levando com ela o útero de Camila, e com ele, a possibilidade de tentarem mais filhos. As mãos pareciam coladas uma à outra quando Renato ficou quase um ano desempregado, e nem quando Camila também ficou desempregada elas se soltaram. Suas mãos aceitaram a edícula dos sogros, grana dos irmãos, rango dos tios, carinho das tias. Só se soltaram para bater palmas para a Juliana, quando ela se formou na oitava série; e quando Mateus ganhou seu primeiro campeonato de futebol elas também se soltaram, mas logo se reencontraram em uma braço conjunto, os quatro. Juliana achava um mico total o abraço em família no final do campeonato, “ainda mais com Flavinho vendo tudo, ai que vergonha”, mas era importante pra mãe e pro pai, então tá bom.
Um dia, outra mulher quase acabou com o casamento. Não, Camila não descobriu, mas Renato se sentiu um merda por muito, muito tempo. Não comprou flores a mais para Camila, e nem a chamou pra mais jantares ou lhe deu mais presentes do que o normal, afinal, como ele tinha lido numa dessas revistas, isso pode fazer com que a mulher desconfie, mas doía. Porra, se doía. Prometeu nunca mais olhar pra outra mulher na vida, nem quando Camila confessou, aos prantos, que tinha beijado um outro homem em uma festa, que tinha ido com as amigas numa dessas excursões só para mulheres. Estava meio alta, tinha dado um tapinha num baseado, e ele era tão bonito, olha, não que você não seja bonito, mas ele era todo malhado, ai, não que você tenha um corpo feio, ai, e ele era tão novinho, ai, não tô te chamando de velho, ai, não sei o que falar, mas peloamordeDeus, não foi nada além disso, juro que
– Tudo bem.
– Ãhn!?
– Tudo bem, não tem problema, sério.
– Sério!?
– Sério, você tava meio alta, tinha dado um tapa num baseado, o menino era malhado, você tava fora de si, |e outra, na verdade o filho da puta sou eu, porque enquanto você só deu um beijo nesse cara, eu comi uma outra qualquer de tudo quanto foi jeito e nunca tive metade do caráter e da coragem que você está mostrando agora, e só o que eu posso fazer é te agradecer por confiar em mim, continuar me sentindo um puta dum covarde, porque não vou te contar mesmo, e ainda nego se te contarem|, e eu te admiro muito por me contar. Você é foda, que bom que eu te pedi em casamento. E isso foi quase um novo pedido de casamento, acompanhado de uma nova lua de mel e novas toalhas molhadas em cima da cama, chinelos espalhados pela casa, calcinhas penduradas no registro do chuveiro, papel higiênico saindo pra cima, papel higiênico saindo pra baixo, peidos quando estão dormindo, almoços com sogras, com sogros, com sobrinhos, primos, tios, tias, sexo animal uma vez por semana, sexo quietinho, quando dava, no resto da semana, dores de cabeças, futebol aos domingos, ciúme no mercado, absorventes rubros, tpm, porra!, já falei pra não deixar toalha molhada na cama!, porra!, tpm é foda!, porra!, não põe culpa na tpm não, você sempre faz isso Renato!, porra!, eu esqueço, custa pegar essa merda e colocar sei lá onde?, porra!, custa você colocar essa merda sei lá onde antes de colocar na cama?, porra!, você tá chata pra caralho, vai se foder!, porra, não manda eu me foder não Renato, não fala assim comigo, me respeita, eu sou sua mulher, porra Camila, não chora, desculpa, foi sem querer, foi mal, não queria dizer isso não, porra Renato, eu tô sensível, não fala assim meu, você sabe que tpm é foda...
Um dia, Seu Renato terminou de calçar os sapatos, desceu as escadas, tomou só um café preto, como sempre fazia, abriu o jornal na página de esportes e ficou esperando Dona Camila descer para irem juntos à feira. Ela terminou de escovar os cabelos, passou só um batonzinho, colocou uma roupa mais bonitinha, e quando chegou na cozinha, Seu Renato lhe disse “Eu te amo”, antes de dar bom dia. E ficou olhando pra ela, espantado, sem saber direito se tinha falado mesmo o que falou. Era pra ele ter dado Bom dia, ou Bom dia amor, mas saiu Eu te amo. Dona Camila ficou parada, quase em estado de choque, olhando para Seu Renato como quem viu um extraterrestre sentado em uma cadeira na cozinha lendo o jornal de esportes.
– Desculpa? Não entendi...
– Eu te amo.
– Sim, eu ouvi, mas...
– É, é estranho... era pra eu ter dado Bom dia, mas saiu Eu te amo.
– Pois é, eu desci tão animada pra receber um Bom dia, e você me manda um Eu te amo, afe, até acordei.
– Então, é esquisito, porque... heh... quer dizer, eu te amo, sempre te amei e
– Que?? Repete!
– Eu te amo, sempre te amei.
– Ôxe! Ôxe ôxe, que estranho! Porque você nunca me disse?
– Porra, sei lá, esqueci... e você, não me ama?
– Amo! Quer dizer, amo claro, é que já se passaram tantos anos, Juliana já tá casada, Mateus já tem filho, a gente já é avô, e agora que você falou foi que me dei conta...
– Então, pois é. Por isso que eu esqueci, e nossa vida foi sempre tão corrida, né?
– É, então, é estranho ouvir isso depois de sei lá quantos anos.
– Mas ó, eu te amo, sempre te amei e sempre vou te amar
– Aiaiaiai pára! Pára que tá aumentando, era só presente, depois foi passado e agora já tá no futuro, credo!
– Tá bom, desculpa, hehehe! Eu, hein...
– Arre, vamos parar de bobagens e vamos pra feira logo senão os pêssegos fica tudo ruim. E ó, promete uma coisa?
– Quê?
– Nunca mais diz que me ama?
– Hah, porra!, prometo fácil.

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Foto: Jack Nicholson e Diane Keaton em "Alguém Tem Que Ceder."

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