quarta-feira, 25 de novembro de 2009

31 - TIMES LIKE THIS.


Tô aqui tentando escrever sobre o Amor, a Terra e o Tempo, esse tempo, o nosso tempo. Eu sei que eles se conectam de alguma maneira, mas não consigo achar o ponto, nem como começar a tecer a linha pela qual eles correm, então vou apenas colocar os pensamentos na sequência em que eles vão aparecendo. Me recordo da primeira frase de "Um Conto de Duas Cidades", de Charles Dickens. "Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos". Todos estamos conectados de alguma maneira, mas nunca fomos tão sozinhos cercados de tantas pessoas. Queremos nos relacionar, mas não queremos perder a liberdade. Temos liberdade, mas não sabemos direito o que fazer com ela. Zygmunt Bauman descreve o amor de hoje como Amor Líquido: adaptável, mas que se esvai com facilidade. Diz que amor é posse, desejo é consumo. Quando você ama, você quer possuir, ter. Quando você deseja, você quer consumir até que se acabe. O amor quer perpetuar, o desejo quer se satisfazer. Ele dá a entender que no nosso tempo, fazemos confusão entre amor e desejo. Desejamos tão intensamente que parece amor, mas não é.

E quando o amor se vai, nos sentimos vazios.

Esse é um retrato do nosso tempo que ele não trata no livro: o amor líquido, por ser líquido, também preenche.

Um dos aspectos mais interessantes de se observar nos tempos de hoje, quando estamos todos conectados, é também a dificuldade que temos de nos livrar de um amor. Um relacionamento fracassado. Uma amiga, a Mara, disse isso uma vez, eu fiquei pensando muito sobre como é verdade. Quando não tinhamos internet, celulares e tudo o mais, terminávamos um relacionamento e praticamente nunca mais víamos a pessoa. Às vezes as encontrávamos pela rua, tomados por susto ou supresa por vê-la mais velha, mais nova, mais gorda, mais magra, melhor, pior... hoje, ela está lá, presente, vemos seus twitts, seus posts, seus perfis, seu rosto e sua vida nos quadradinhos das redes sociais. Achamos que estão falando da gente, passamos a espiar suas páginas em orkuts, facebooks... nos tornamos um tanto paranóicos, espreitando sem se dar conta que também somos espreitados. Não encontramos um amor, não nos livramos dele.

Procuramos produzir menos lixo. Reciclamos lixo. Buscamos maneiras sustentáveis de viver. Economizamos água. Pra cada cientista que aparece dizendo que estamos matando a terra, existe outro dizendo que é tudo bobagem. Me lembro do Flaming Lips, em Race for The Prize: "Two scientists were racing / For the good of all mankind / Both of them side by side / So determined". Dia desses vi uma frase, apenas uma parte dela na verdade, no Discovery, que chamou minha atenção: "...o Planeta se renova." Acho que a Terra está se renovando, mas já há muito tempo. Essa percepção de que precisamos fazer alguma coisa é muito recente. Antes, era um assunto quase elitizado, ou financeiramente ou intelectualmente, relegada ao hippies ou aos seguidores dos gurus espirituais orientais. Com o advento da internet, todos falam, todos fazem uma pequena contribuição ao planeta. Uma vez um desses cientistas disse na tv que era muita pretensão a gente achar que podemos ajudar um organismo vivo de milhares de anos. Eu acho que a Terra agradece a ajuda, mas acho interessante essa linha de raciocínio, por um motivo muito simples: ajudando ou não, se o planeta quiser matar todo mundo, ele o faz num piscar de olhos. Não sei porque ele faria isso, mas se for necessário, com uma tremida ele manda a gente pra puta que pariu, e pensar nisso dá um certo sentimento de impotência, então... é bom nos sentirmos úteis.

Não temos mais tempo. Um dia tem só 12 horas hoje em dia. Fizemos carro pra otimizar o tempo pra chegar nos lugares, construímos um montão deles até entupir todas as estradas e ruas e avenidas agora perdemos tempo no trânsito. Inventamos computadores pra fazer nosso trabalho mais rápido, mas o volume de trabalho quadruplicou, e como perdemos tempo no trânsito, o tempo que gastaríamos pra fazer coisas pra gente usamos pra trabalhar, e o que sobra, dormimos, quando conseguimos. Se tudo está parado, porque tudo parece acelerado? Vivemos mais dentro de um filme do Tony Scott do que do Ridley. Perdemos o costume de contemplar, filosofar, pensar. Substituímos por caçar e absorver referências. Mas quase não temos tempo de compartilhar essas referências com os amigos numa mesa de bar ou com a pessoa que amamos no sofá da sala. Algumas pessoas têm esse acúmulo de conhecimento como status. Olham com desdém pra outras pessoas que sabem "menos". Transferiu-se a máxima de que "sexo é melhor em qualidade que quantidade" pra "conhecimento é melhor em quantidade que qualidade". Gastam o precioso tempo adquirindo informação e morrendo aos poucos cada dia mais fechados em si mesmos. Perdemos o costume de morar em comunidades, vivemos sozinhos em apartamentos, reclamando da solidão. Um dia li um texto da Tati Bernardes que ela dizia que tinha bode de sair de casa porque não conseguia achar mais ninguém interessante, e se perguntava onde andavam essas pessoas. Concluía que estavam, como ela, também fechados em casa, também não acharem pessoas interessantes. Esse é uma das armadilhas adquirir referência, e não cultura: a inabilidade de se relacionar com pessoas que sabem "menos" que a gente. Vivemos dificultando o diálogo. Quando adquirimos cultura, sabemos lidar, respeitar nos relacionar com qualquer outro tipo de pessoa. Estamos sobrecarregados de informações, e não temos tempo de compartilhá-las face-a-face: as twittamos, re-twittamos, facebookeamos, orkutamos e esperamos que a outra pessoa faça o mesmo, nos dê crédito e, em alguma instância do pensamento, esperamos que a informação seja útil de alguma maneira.

Pode parecer um quadro estranho, mas... e se for isso mesmo? E se essa é realmente a maneira que vamos nos relacionar daqui pra frente com nosso amor, com as pessoas, com nosso planeta e com nosso tempo? E se essa forma de amar também é correta? Amar rápido, desamar rápido, amar rápido novamente. O que não podemos é perder a capacidade de nos encantar por alguém, de acharmos pesssoas interessantes dentro ou fora do nosso círculo social. Como disseram Milton e Caetano, toda meira de amar vale a pena. E se choramos demais por amor, é porque amamos muito também. Ajudamos o planeta, estamos desenvolvendo uma consciência ambiental significativa, adquirimos informação, a repassamos, criamos e recebemos créditos pelo que fazemos. Se vivemos, às vezes, de maneira superficial, e daí? Quem disse que temos que viver como nossos pais ou avós? Somos donos de nós mesmos, pro bem e pro mal. Somos finalmente livres, e essa liberdade toda nos prende à uma percepção de que as coisas antes eram mais fáceis, mas lentas, mais calmas ou melhores antigamente. Mas esse é nosso mundo, esse é nosso tempo, e o que temos que fazer é aprender a conviver com essa nova ordem mundial. Nós mesmos causamos nossas alegrias e mazelas. Respeitar o ser humano, online ou offline, geek ou freak, cool ou nerd. Assuntar bons assuntos, seja biritando ou teclando.

Eu não sei o tempo que o planeta vai durar, então sigo reciclando lixo e fazendo bom uso da água. Também não sei o tempo que um relacionamento vai durar, por isso só amo intensamente.

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Foto: Creio ser do filme Zeitgeist - The Movie, aqui!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

30 - AFASTA DE MIM ESSE CALE-SE.


Tem dia a gente é meio que forçado a ser Jesus.

Hoje, dia 09 de novembro, segunda, foi um dia estranho, um dia que eu chamei de o Dia da Ignorância. E não tô falando da ignorância vitimizada, aquela do não saber, aquela que a gente acha que é abençoada. Foi o dia da maldita ignorância. Gente intelectual ignorante, gente burra ignorante, gente rica ignorante, gente pobre ignorante... tudo isso depois do meio-dia.

Começou com um e-mail que eu recebi, com o subject "DILMA ROUSSEF com fotos das vítimas". Ok, vamos lá, vamos ver. Tava lá um texto porcamente escrito em tom de súplica, pedindo aos brasileiros que não votassem na referida canditada, por ela ter sido uma terrorista/guerrilheira no passado. E tinha lá também um monte de fotos dos corpos das vítimas. O engraçado era que as vítimas eram todos militares da época da ditadura (salvo o jornalista Régis de Carvalho), militares esses que enfiavam fios com eletrochoque no cu de mulheres grávidas, faziam as pessoas meterem a boca no escapamento do carro para inalar fumaça de óleo diesel até morrer (né Davidoso), enfiavam agulhas embaixo das unhas de quem eles queriam arrancar alguma coisa qualquer.

Eu não tô defendendo a Dilma, que fique bem claro, e nem tenho procuração pra algo do tipo e nem vou votar nela, mas um mail desse tipo é de uma ignorância ancestral, é usar de uma artimanha imbecil pra tentar manipular alguém ou uma parcela da sociedade, sei lá. A ignorância é tanta, que quem fez essa merda poderia ter pesquisado mais, e argumentado por exemplo que a luta armada no Brasil teve como pano de fundo o combate à ditadura, mas com o propósito de instalar no país uma outra ditadura, dessa vez comunista. Fora que poderia ter perdido o tempo pra achar falcatruas mais atuais. Enfim, se ela é ou não errada, se matou ou não matou, se os milicos eram vítimas mesmo ou não, não importa. Eu mesmo posso estar sendo ignorante bem agora, não conhecia os milicos que morreram. Mas foda-se: e-mail ignorante escrito por algum babaca qualquer sem ter mais o que fazer.

Depois fui ao banco pra tentar sacar o cheque do meu pagamento. Como tive que abrir uma empresa porque os ignorantes da direção da Eugenio me encheram o saco pra abrir, e me demitiram logo depois de aberta, o cheque sai em nome da minha empresa. Minha empresa se chama Luiz Ernani Mariano Gráfica ME. Meu nome é Luiz Ernani Mariano de Oliveira. Fui lá com o cheque, com o meu RG e com o cartão do banco onde tenho conta escrito "Luiz Ernani Mariano Gráfica ME", mas não pude sacar porque não tinha o contrato social da empresa. Voltei lá e imprimi um documento que meus contadores me enviaram, um Requerimento de Empresário, porque não existe contrato social para empresa com apenas um sócio. Levei lá o documento, que tinha meus dados e os dados da minha empresa, que tem o meu nome, e nada. Não me pagaram. Pedi pra falar com o gerente. A mulher o chamou e disse "ele não tem o contrato social". Eu disse "não é que eu não tenho. O contrato social não existe pra empresa com um sócio apenas", no que ela me responde "então, se não existe, você não tem!". FILHA DA PUTA! Não é que ela tava certa, a ignorante?? Vaca filha da puta. Daí o gerente me pergunta "você tem o CNPJ?", e eu "cara, sim, mas eu resolvo tudo com esse documento", e ele "se o caixa não aceita, tem que ter o CNPJ".

PORRA!

Eu chamo o gerente pra resolver o problema, e ele diz que quem manda é o caixa?? Perguntei pra ele. "Escuta, afinal, é você quem manda ou é o caixa?" Engasgou, gaguejou, balbuciou, e me mandou buscar o CNPJ. Fui.

Chego na agência, os comentários sobre o fato da Uniban ter expulsado a garota lá via anúncio nos principais jornais do Estado. A ignorância agora era institucionalizada. Eu já sabia, mas tinha passado uma feliz manhã sem me lembrar do assunto. O engraçado é que a Uniban regula grana pra colocar campanha na rua, não aprova nada, faz uns anúncios de merda QUE O REITOR manda fazer, mas pra fazer uma cagada dessa o cara investiu em mídia. É brincadeira... é a vitória da inquisição.

Daí, no Twitter, um camarada que vestiu a persona de mau humorado e rabugento, que todo mundo adora (inclusive eu), alega que quem riscou o capô do carro dele foi um "INFELIZ É UM FAVELADO, FEIO E POBRE QUE PROVAVELMENTE VAI ACABAR MORTO E DEIXARÁ OS FILHOS ÓRFÃOS", e que ele espera "QUE O CICLO SE REPITA POR GERAÇÕES E GERAÇÕES ATÉ QUE ESSA SUB CLASSE DO CARALHO SEJA ESCRAVIZADA E TRATADA COMO GADO."

É foda você chegar no lugar onde você deixou seu carro e encontrar ele riscado. Mas se ele não sabe, a sub classe do caralho é até hoje na tratada como gado, na verdade, por conta de pensamentos e declarações desse tipo. Não se cogitou que poderia ser um desses vândalos de classe média que toda hora a gente vê na tv, e nem se cogitou que o Estado não oferece segurança pra quem deixa o carro na rua. Só que muito provavelmente foi um favelado. Ainda bem que esse camarada é bem ralé, porque se é algum figurão da supra classe que fala uma bosta dessa, é aí polícia entra na favela, pressionada por um Estado Maior, e trata qualquer um como gado, pra ter um culpado, qualquer culpado, culpado por qualquer coisa. A polícia não entra em Moema (onde eu e ele moramos) e escraviza e trata a supra-classe do caralho como gado. Me senti pessoalmente ofendido, porque embora eu nunca tenho sido favelado, morei uma boa parte da minha vida na periferia de Guaulhos e São Paulo e já penei na mão da polícia, procurando por um culpado qualquer. Nunca fui assaltado. Na verdade, eu sou daqueles caras que, quando tá andando pela rua à noite, as pessoas atravessam a rua. De verdade, não é brincadeira não. Eu tenho 1,86m, mais de cem quilos e negro. Mulato, na verdade, mas pra supra-classe não importa, ela é maniqueísta, só existem branco e preto. Se por uma conjunção dos astros eu tô passando perto do carro do meu camarada quando ele viu os arranhões, e ele resolve chamar a polícia, com certeza a corda arrebentaria pro lado mais preto, afinal, eu tô geneticamente inserido na sub classe do caralho. Achei bem ignorante a declaração dele, ainda mais quando logo na sequência ele acusou os jornalistas do caso Uniban de aumentarem a língua portuguesa e inventar palavras como "idílica". Pensei em arrumar uma treta, mas apenas mandei a definição de "idílico" do dicionário da língua portuguesa e desencanei. Ignorante e inculto. Provavelmente tem uma boa graduação e uma série de cursos fantásticos por aí, afinal ele REALMENTE é um grande profissional e um ótimo programador. Mas de vez em quando eu acho que pessoas assim são uma afronta para o meu segundo grau mal concluído em escola pública. Ele devia estar nervoso, cabeça quente, sei lá eu... larguei mão, imprimi o CNPJ da minha empresa e voltei ao banco pela terceira vez pra finalmente sentir o cheiro do meu salário. É foda ter que ficar brigando por uma coisa que é sua, eu poderia ter depositado o cheque, mas ia demorar mais dois dias pra cair e tinha contas e compromissos urgentes pra tratar e pagar. Perguntei ao segurança se poderia falar direto com o gerente (quando fui da segunda vez ele ficou me encarando feio, achei melhor quebrar o gelo), ele disse que sim. Entreguei os papéis, ele deu uma conferida... e liberou. Disse até que eu poderia voltar ao caixa sem pegar fila, ó que beleza. Perguntou também se eu não tinha interesse em passar minha conta para aquele banco, e eu disse apenas NÃO. Só que foi um não tão NÃO, que ele novamente engasgou, gaguejou, balbuciou, apertou minha mão e foi pra mesa dele.

Já com meu salário no bolso, fui até o banco ao qual tenho conta pra poder depositar. Na maioria dos Itaú Personnalité, não existe porta giratória, é um outro tipo de porta, que você chega, abre-se uma, você entra em um cubículo, ela fecha, você dá um passo pra esquerda, e uma outra porta se abre dando acesso à agência. Pra sair, a mesma coisa. Quando eu cheguei, tinha um businessman saindo da agência. Ele chegou na porta, a porta abriu, ele entrou no cubículo e ficou parado, conferindo alguns papéis. Não deu o passo pro lado, que faz com que a outra porta se abra. Ficou lá parado conferindo os papéis. E eu lá parado esperando pra entrar. Eu tava com meus papéis da empresa enrolados na mão, e dei uma batidinha de leve na porta pra avisar que ele tinha que dar um passo pro lado pra outra porta abrir, e ele o fez, e ao fazer, passou por mim me olhando de cima abaixo com uma cara muito feia, mas muito feia, como se eu tivesse incomodando. Na hora me deu uma disposição fudida de dar uma porrada na cara do FILHO DA PUTA IGNORANTE, olhei pra ele e balancei a cabeça como quem diz "cai pra cima, filho da puta". Tudo isso em questão de segundos. Ele me encarou, eu chamei pro pau... e ele afinou, abaixou a cabeça e saiu andando. Entrei no banco com cara de poucos amigos, e tinha uma pequena fila. Tomei o meu lugar nela e, quando eu tava lá, pensei nesse texto e que eu deveria escrever pro meu blog. Eu sempre penso em como eu devo começar um texto, e fiquei pensando em tudo o que a merda do cristianismo nos ensinou. Hoje me deu vontade de socar o caixa do banco, depois o gerente, depois o segurança que ficou me encarando feio, depois arrumar treta com meu camarada do Twitter que todo mundo adora, inclusive eu, depois tive vontade de sair na mão com o businessman do banco, mas ali, na fila, quando eu consegui respirar, me veio à cabeça essa frase com a qual eu comecei esse texto: Tem dia a gente é meio que forçado a ser Jesus. É melhor apenas balançar a cabeça e pedir "Pai, perdoai-os, pois esses ignorantes do caralho não sabem o que fazem."

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

29 - KÜBLER-ROSS E O PROCESSO DE CRIAÇÃO


Elisabeth Kübler-Ross foi uma psiquiatra pioneira nos estudos da morte. Ela morreu em 2004 vítima de uma série de derrames cerebrais, era suíça e morreu no Arizona, e sua maior contribuição científica foi o livro "On Death and Dying" (Morte e o Processo de Morrer), em que ela define 5 estágios do processo de morrer que ficou conhecido como o modelo Kübler-Ross, adotado como um guia para tratamento de pessoas em estado terminal. São eles, segundo a Wikipédia:

1. Negação e Isolamento: "Isso não pode estar acontecendo."

2. Cólera (Raiva): "Por que eu? Não é justo."

3. Negociação: "Me deixe viver apenas até meus filhos crescerem."

4. Depressão: "Estou tão triste. Por que me preocupar com qualquer coisa?"

5. Aceitação: "Tudo vai acabar bem."

Você define uma pessoa como gênio quando um estudo que ela fez se aplica em vários aspectos da vida, não só da morte, no caso desse estudo. Quantas veses numa agência a gente não se sente passando pelos 5 estágios, em que o estado terminal, no caso, era o prazo:

"1. NEGAÇÃO E ISOLAMENTO: “ISSO NÃO PODE ESTAR ACONTECENDO.”

"Eu NÃO tive essa idéia. Caralho, vai dar a hora de entregar! Como eu pude ter criado uma porra dessa? A única! É foda, porque que nessas horas nunca vem uma idéia boa, só vem umas merdas dessa. Tá ruim tá ruim tá ruim, meu, o que esse gato tocando violino no telhado tem a ver com bolacha recheada? Vou lá pra salinha pensar mais...

"2. CÓLERA (RAIVA): “POR QUE EU? NÃO É JUSTO.”

"FILHADAPUTA de atendimento de merda, vai tomá no cu, o Zé é foda, essa porra desse briefing não explica bosta nenhuma e eu tenho que ficar me fodendo nessa merda, o cara não sabe escrever não!, puta job de bosta, até o estagiário tem um melhor que o meu, não tem lugar na agência pra criar, o que esse povo gosta tahto de futebol??? Trabalhei ontem até 3 da manhã e os caras me vêm com essa porra de hoje pra hoje, todo mundo vai embora cedo, tão de marcação comigo, esse viado do diretor de criação não gosta de mim, é por isso, e ó o título que o outro me passa, "Um dó-ré-mi de sabores", FODA-SE, vai o que tem, vou lá mostrar essa merda pro diretor de criação.

"3. NEGOCIAÇÃO: “ME DEIXE VIVER APENAS ATÉ MEUS FILHOS CRESCEREM.”

– Um gato tocando violino no telhado?
–... é, tipo...
– Mas porque um gato tocando violino no telhado...?
–... é... tipo, quando você come a bolacha, você fica tão bem que até ouve música... e ela vem pelos meios mais inusitados, sabe?
– Sei...
– ...então, mas pode ser um cachorro também, e em vez do telhado ele pode estar ali na rua, no meio das pessoas mesmo, cachorro de repente é mais legal, eu coloco uma luz urbana...
– Luz urbana...
– ...é, tipo... mais assim, vindo do poste... até fica meio como um holofote, voltado pra ele....
– Quem fez o título?
–... foi o Zé...
– Hmmm... o título é bacana... pra quando é esse anúncio?
–...pra hoje...
– Meu, não vamos perder tempo, faz um all-type e manda, não dá tempo de produzir.
– Mas você curte a idéia??
– O título é bom, faz um all-type, estoura ele na página, põe um halo e um packzinho e manda.

"4. DEPRESSÃO: “ESTOU TÃO TRISTE. POR QUE ME PREOCUPAR COM QUALQUER COISA?

Carai de vida, viu... não dá pra fazer nada, não dá pra ir no cinema, não dá pra cumê minha muié, só fico aqui trancado trabalhando, trabalhando, trabalhando, só sai bosta... não cuido dos meus projetos pessoais, não vou pra academia, não saio, fiquei o dia inteiro leiautando essa porra, mó trampo pra achar referência e o cara me vem com all-type, preciso de um plano B... ahh, que se foda, vou fazer isso rapidinho e me mandar, se o cliente não se preocupa vai eu me preocupar?

"5. ACEITAÇÃO: “TUDO VAI ACABAR BEM.”

Ahh vai, até que não ficou mal, as bolachas no lugar do "o" ficaram bacaninhas, o pack ficou com uma composição legal... o título desse viado até que não é ruim mesmo, deu um toque engraçando pro anúncio, vai ficar bacana na revista, diferente, inusitado... pelo menos consegui salvar a luz urbana, agora é só dar uma queimadinha aqui mais em cima e tal... Caramba, quem tá ligando uma hora dessa??
– Alô? Fala Zé... que? O cara cancelou o anúncio? Vai sair com o anterior? Porra mas... mas... tá. Tá bom... é, agora com mais tempo, de repente a gente manda o gato...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

28 - RÉQUIEM PARA UM AMIGO


Bastardos Inglórios. Esse foi o último filme que meus óculos viram. Comigo, pelo menos.

Após muita procura, eu comprei esses óculos na C&A do Shopping Morumbi por R$ 39,90 na promoção. A princípio, eles eram uns óculos de sol, escuros, ali no meio de muitos outros óculos baratos na prateleira da loja. Quando vi, pensei "é um diamante bruto...", e após tuná-lo com uma lente de acrílico anti-reflexo com meio grau de miopia de um lado, e meio de astigmatismo do outro por R$ 320,00, lá estava a perfeição traduzida em uma armação de acrílico preto fosco, com uma lente que de tão transparente, parecia que não havia nada. O encaixe perfeito no rosto, o design, a aerodinâmica transformaram esses óculos em uma peça única, reconhecido internacionalmente como "os óculos do Tim". Mas eles não eram apenas um par de óculos, eram a extensão da minha própria personalidade. Eles chamavam a atenção tanto quanto eu mesmo, tinham presença.

Esses óculos viram muita coisa, me fizeram apreciar inúmeros filmes, inúmeros shows, inúmeros corpos nús de mulheres fantásticas, me mostraram o caminho correto e qual o ônibus certo a pegar, em vez de tentar ver ao longe qual era a linha e, quando o ônibus estava numa distância em que eu conseguia enxergar, já era tarde demais. Com eles, eu não perdia mais o busão e também não tomava mais chuva na Marginal.

Quando eu os comprei, eu estava na extinta BatesBrasil. Eles me acompanharam pela Synapsys, Lepera, para algumas filmagens como assistente de arte com o Marcão na produtora Pródigo, fomos pra Portugal, conhecemos Lisboa, Sintra, Cascais e tantas outras, trabalhamos na Fischer Portugal, depois na Eugenio, fomos para Bahia, Aracaju, Natal, Rio, Argentina, trabalhamos na Átomo, na Central Business e tantos outros lugares maravilhosos.

A haste direita se quebrou por uma bobagem: ao entrar em um banheiro apertado numa pequena pizzaria do meu antigo bairro em Guarulhos, eles estavam no bolso por algum motivo, e quando entrei trôpego pela porta, encostei sem querer na pia do banheiro, bem onde eles estavam. A haste quebrou sem chance de conserto, e como havia quebrado já uns 5 óculos em um ano antes dele, coloquei fita isolante preta para segurá-la e assim ficou por 6 anos. A fita na haste da esquerda era apenas para equilibrar o design.

Eu deveria ter trocado a fita-isolante que segurava a haste antes... Após a sessão no HSBC Belas Artes, eu tava descendo as escadas segurando, em uma mão, duas garrafas d'água, e na outra, um monte de lixo, enquanto minha amiga (amazing friend) corria na frente, apertada pra ir ao banheiro. Meus óculos, como tinham muita personalidade, clamava por ser livre, e pelo caminho a haste começou a se desprender e ficou pendurada apenas pela orelha, e como a única mão que tava mais livre era a que tava com o lixo, eu a segurei com ela. E pensando que teria que tomar cuidado quando fosse jogar o lixo no lixo, já que a "perninha" dos meus óculos estava ali no meio. E foi assim pensando que joguei o lixo no lixo com a haste e tudo. Confesso que até dei uma reviradinha no lixo ali pra ver se achava de volta, mas além de ter ido parar lá no fundo, tava meio vexatório eu ali revirando o lixo no meio de todo mundo, de modo que fui pra balada com minha amiga com meus óculos faltando uma perna mesmo.

Lá chegando, pedi ao garçom que me dedicasse uma mesa, e mesmo com a casa cheia ele me alertou que, ao sair da mesa pra dançar, que deixasse alguma bebida ali: era o código da casa para que ninguém pegasse nossa mesa. Assim fiz, e pra provar que era sério mesmo, deixei meus óculos monoperna em cima da mesa, ao que minha amiga disse "Você vai deixar seus óculos aí?", e eu "Sim... melhor, se deixarmos só as bebidas, alguém vem, senta na mesa e ainda bebe", e ela "Mas e se sumirem?", e eu "Vai ser um ótimo fim pra eles. Desaparecidos na balada. E se eu os esquecer, não volto para buscá-los."

Fomos dançar e beber, após algum tempo nessa função, voltamos à mesa, e qual foi nossa surpresa que eles ainda estavam lá. A balada não tava do jeito que a gente queria e fomos embora, bêbados e nos pegando no banco de trás do táxi naquele rolê bacana por São Paulo a noite, a caminho de outra balada. Ela cogitou de irmos pro Astronete, ali pela região da Augusta. Ao descermos do táxi, ela notou que eu finalmente estava sem os óculos. O motorista tinha andado alguns poucos metros e ainda pode ouvir meu grito de "CHEFE! MEUS ÓCULOS!" Ele parou o carro e disse "HEINNN???", e nesse ponto minha amiga disse "Hey, você disse que se os esquecesse, não voltaria para buscá-los."

Palavra dada é palavra dada.

Apenas disse ao chauffeur "Nada não, achei que tinha esquecido alguma coisa..."

Ela não acreditou que eu havia feito isso, mas eu disse que era um bom fim para eles: passeando por aí de táxi, sem pagar nada, pelas ruas de São Paulo.

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Mais sobre meus óculos aqui, no primeiro post do blog

terça-feira, 6 de outubro de 2009

27 - CAOS REINA


Se eu encontro essa mulher cagando assim no meio da floresta, eu chuto e saio correndo. O lance é que, como eu disse post anterior ao anterior, eu sou meio impressionável com esse lance de filme de terror. Antes eu tinha uma porrada de pesadelos com a menininha do exorcista, que se chama REGAN, e não MEGAN (valeu Nanda e Vandi!!). Agora eu tenho medo da Charlotte Gainsbourg. Não é bem medo... é só um leve desconforto, hehehe. O filme merece ser visto, viu, o tal ANTICRISTO. Fomos eu e mais 4 marmanjos aqui da agência, o Vandi, o Chad, o Ton e o Rony. No outro dia, os comentários eram de que "não é que dá medo, mas eu dormi meio mal essa noite", hahahaha! E é isso mesmo, o filme é sinistro, e não de dar susto. Eu dormi mal na primeira noite. Depois passou. Depois comecei a ter pesadelos com a mulher e com a cabana e com a floresta. Teve um dia que eu tava quase dormindo, ali naquele limbo entre dormir e acordar, com a janela aberta pra entrar um ar e tal, meu, de repente eu ouço um berro na janela "AHHHHHH', ou mais pra "RHHHHHÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ", sei lá, uma coisa assim, mas meu!, tomei um susto do caralho, grudei na cama por uns 5 segundo pensando "fudeu fudeu fudeu a mulher tá na janela!", aí fui voltando ao normal pensando "vai meu, levanta, fecha a porra da janela que não é nada, é coisa da sua cabeça". Só estiquei a mão, fechei a janela sem olhar pra fora e voltei a dormir, fico sem ar mesmo, foda-se. Na verdade, como lá tem muito passarinho, acho que um deu meio que um rasante perto da janela, fazendo um barulho, ou era morcego, sei lá. Mas na minha cabeça sonolenta era a Charlotte Gainsbourg berrando pra mim. Alguns dias depois, eu tive o pesado mor: em uma cena, ela tá fora da cabana, deitada na grama de pernas abertas se masturbando furiosamente. Aí, no meu "sonho", eu tava chegando perto dela nessa cena, e quando me aproximei, ela virou o rosto pra mim e era quem??? A PORRA DA REGAN!!! Pulei da cama acendendo a luz pensando "Meu!!! Híbrida agora??? Tá de sacanagem né???" Achei que ia comer a Charlotte, sem chance. Aliás, a menina do exorcista (se eu pronunciar o nome dela 5x, ela aparece pra mim, tô fora) também curtia se masturbar. Como o diabo é fetichista, né?

Abaixo, segue a minha própria resenha do filme:

ANTICRISTO
Direção: Gus Van...ops! Lars Von Trier
Com o pinto do Willen Dafoe e a xana da Charlotte Gainsbourg
Quanto você dá, Aracy de Almeida!?: Vai levar um pau no pau!

Após perder o filho, um casal vai para uma cabana na floresta pra superar a perda.
Lá, entre animaizinhos doces e falantes, a mulher entra numa tpm fudida e azucrina o coitado do marido que, sem um boteco por perto pra fazer a fuga padrão, descobre por ele mesmo o quanto é perigoso tentar fazer qualquer coisa nessas horas que não seja só repetir "ã-hã, ã-hã" e ficar o mais longe possível. Sifudeu, Duende Verde!!!

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Foto: Charlotte Gaisbourg em ANTICRISTO, de Gus Van... ops! Lars Von Trier.

26 - OLIMPÍADAS 40 ANOS


Quando as Olimpíadas aportarem no Rio de Janeiro, em 2016, eu estarei com 40 anos. 40 anos. Só mesmo uma Olimpíada pra fazer a gente pensar no futuro. É esquisito pq, quando a gente fala em 2016, parece que vai ser daqui há 1 mesinho só, acho que é resquício da empolgação da Olimpíada passada, logo ali, em 2006. A gente ainda era meio moleque, não tanto quanto agora, mas foi tão pertinho... 2016 não tá tão pertinho, é daqui há 7 anos. E eu aqui. Não tenho carro, não tenho casa própria, não tenho seguro saúde, não tenho vontade de ter filhos (casar eu até penso... assim, meio an passan...). Mas ok, tenho um monte de amigos na mesma que eu, mas caralho, quando as Olimpíadas chegarem, eu vou tá com 40!!! Putaqueupariu. Meu irmão mais velho vai tá com 50! Meu sobrinho mais novo vai tá com 7, quase 8, e eu 40!! E pior, sem planos pra ganhar uma grana com as Olimpíadas. Pensem nisso, é oportunidade pra todo lado, a gente precisa dar um jeito de ganhar uma grana, eu principalmente, afinal, vou estar com 40! ¡Caray!

Não que seja um problema ter 40, o problema é que eu nunca tinha parado pra pensar nisso, saco! Esse negócio de Olimpíadas só vem pra foder com a cabeça da gente. Eu lancei a idéia aqui, e um mandou "Pô, vou estar com 34... provavelmente com um filho..." Cacete Chad! Eu tenho 33 e não me vejo criando nem um cachorro, quanto mais filho.

Pelo menos, careca eu já tô.

O que eu fico pensando é o seguinte: eu, por mim mesmo, não sei o que vou estar fazendo aos 40, mas o COI já decidiu por mim que eu vou estar no meio de uma Olimpíada! Ô COI, féladaputa, tá de sacanagem né? Gente pra caralho, gringo pra todo lado, altos esquemas de segurança, correria da porra e eu tendo que lidar com o fato, ainda, de estar com 40. É muita coisa pra gerenciar. Eu deveria estar tranquilamente me preparando pros 40 com calma, trampando, construindo minhas coisas na manha... agora virou uma urgência de preparar minha idade e ainda ganhar uma grana com as Olimpíadas, porque eu VOU QUERER ganhar uma grana né, claro. Só que é muita coisa pra pensar de uma hora pra outra, meu! As pessoas esperam muito da gente, um comportamento, uma estabilidde, sei lá... aliás, é até normal isso, a gente tem que ter mesmo, mas eu não esperava por essa bomba olímpica que me veio à cabeça agora, às 11:30 da manhã de uma terça-feira um tanto ociosa na agência. Eu tava indo pro banheiro quando isso me veio, e logo já tava fazendo o número 2 pensando no número 40. 4040404040404040404040. É uma bosta, porque essa sensação vai me acompanhar pelos próximos 7 anos, e daí, os preparativos para as Olimpíadas serão os preparativos para essa data fatídica. E quanto mais próximo for ficando, duas vezes mais tenso. Não vai ter como se esconder, não vai dar pra ligar a tv ou sair pra tomar um chopp num boteco qualquer sem ter o tempo todo um monte de faixas verde e amarelas e a comoção nacional me lembrando que eu vou ter 40 anos. Cada notícia, cada post de blog, cada tweet, cada rua pintada com tinta latex vai me lembrar que eu preciso ter um carro, uma casa, mulher, filhos, conta bancária decente e baixo colesterol.

Quer saber? Eu vou comprar é uma Harley. E sumir do mapa, que se foda os 40!

ROQUENRRÔU!!!!!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

25 - MINHA TRETA COM O TINHOSO


O lance é que até hoje eu tenho medo da menininha d'O Exorcista, a Megan. Nem sei se é assim que se escreve porque não pesquisei no Google pra não dar de cara com ela. Eu assisti esse filme quando eu tinha uns 14 anos e me lembro perfeitamente que fiquei uns três meses tendo pesadelo direto. E até hoje ela me dá uma assombrada. Por exemplo: se eu durmo no breu total e acordo no meio da noite no escuro, sem enxergar nada, a primeira coisa que me vem à cabeça é a Megan. A segunda coisa que me vem à cabeça é a parede, ou a quina da porta, ou a estante... porque sempre acordo assustado, sem saber onde eu tô, a porra da menininha aparece na minha cabeça, eu levanto sonadão pra acender a luz e meto a cabeça na parede, puta retardado. E não adianta falar que é filme: já vi o making of, sei que é sopa de ervilha o vômito, o processo de maquiagem... sei até uns lances mais técnicos, como por exemplo que quando a Megan tá possuída, o efeito sonoro foi gravado a partir de zumbidos de abelhas em 16 canais diferentes. Você não percebe, mas seu cérebro interpreta como perigo e faz você ficar alerta. E com medo. O diretor, do nada, dava uns tiros pro alto no meio do set pra deixar os atores mais tensos com o susto. Nada disso adianta saber, até hoje tenho pesadelo com a porra da menininha.

Onde eu quero chegar é o seguinte, na verdade, por mais que haja proliferação das igrejas, seja católica, evangélicas, presbiterianas ou qualquer outro tipo, o diabo ainda tem uma grande exposição na mídia, ainda gera muita curiosidade por parte das pessoas e tem um apelo maior de público pra gerar lucro, é por isso que se vê tanto filme de terror por aí e quase nada falando de Deus. Logo, a gente está muito mais exposto ao diabo do que a Deus, e quando alguém resolve fazer alguma coisa sobre a divindade, geralmente é tosco, com roteiro ruim, atuação ruim, ou passagens da bíblia com roteiro e atuação ruim do mesmo jeito, ao passo que pro cão, pro tinhoso, pro cramulhão rola altas produções e tudo o mais. Logo, eu tô mais predisposto a ter medo do diabo, por exposição, do que ter o tal "temor a Deus". Até porque, se ele é bacana, porque devo temê-lo? Meio contraditório, não... no velho testamento Deus pede altos sacrifícios pros caras, parece que tá jogando vide-game com a galera aqui... eu, hein. E quando Deus pediu pra Abraão sacrificar Isaac? Ainda bem que tinha todo um lance de ritual, subir na colina, armar uma pira e tudo o mais, porque já pensou se quando deus pedisse pro cara sacrificar o filho ele nem titubeasse e já "Glup', cortasse a garganta do menino? Tadinho do Isaac meu!

Deus precisa de um departamento de marketing melhor que os que ele tem hoje, vide os criancinhas abusadas pela igreja católica, ou a movimentação financeira criminosa (e pecaminosa) das evangélicas. O problema é que quando se vai fazer um filme sobre Deus, normalmente é financiado por alguma instituição religiosa que sempre tenta puxar a sardinha pro lado deles, como todo bom cliente de propaganda, e os caras que produzem filmes pro belzebu tem toda liberdade de expressão, já que pro tinhoso, falem bem ou falem mal, o que importa é que falem dele. O caos é a ordem do rabudo.

Eu não sou um cara religioso, mas acho interessante ter Deus por aí cuidando da gente de alguma maneira. Taí uma coisa que eu queria ver, um puta filme legal falando de Deus de maneira independente e tal. Tipo uma coisa tarantinesca, com aquele vozeirão de trailers do Don Lafontaine: "ONE SUPERIOR BEING CREATED THE WORLD IN 7 DAYS. HE GIVES YOU LIFE. HE GIVES YOU FREE WILL. HE GIVES YOU FREEDOM. HE SEND'S YOUR UNIQUE SON TO SHOW YOU THE RIGHT WAY. AND YOU KILL HIM. NOW HE'S BACK... FOR PAYBACK!" e Jesus e o Paizão armando uma 12 cano serrado divina "CLA-CLACK" e vindo pra terra pra botar pra fudê. Os filmes evangélicos e bíblicos não tem o menor appeal, tem que ter umas coisas mais legais. Porque no final das contas, Deus é um conceito melhor que o do diabo, mas o tinhoso por enquanto tá ganhando. E dá-lhe filme de terror. Agora foi o Lars Von Trier que fez um, Anti-Christ. O cara vive fazendo uns filmes idependentes sobre uma breve passagem na vida das pessoas e tal, com uns putas roteiros legais. E eu, que gosto de roteiros legais, vou acabar ir vendo o tal Anti-Cristo dele. Tô até vendo a merda, mais não sei quanto tempo sem dormir...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

24 - DOIS CACHORROS


"Dentro de nós temos dois cachorros, um bom e um ruim. Se alimentarmos o ruim, seremos do mal. Se escolhermos o bom, seremos do bem." Quem disse isso foi a Narcisa Tamborindeguy, na revista Trip desse mês, em entrevista ao Arthur Veríssimo. Sempre que eu ouço esse nome, Tamborindeguy, eu acho que ele veio de algum francês que passou por aqui há muitos anos, chamado Guy - pronuncia-se Guí - e que tinha um tamborim, logo o tamborim dele, por ser diferente, ficou conhecido como o tamborim de Guy, logo, Tamborindeguy. É uma lógica meio germânica de se pensar, devido à minha educação européia, mas faz sentido, assim como Vanderlei - nome do meu primo, por acaso - veio de Van Deer Lay, sobrenome holandês, que foi aportuguesado lá pras bandas do nordeste, onde os gringos aportaram cheios da erva-do-capeta. Mas enfim, refletindo sobre a frase da Narcisa aí em cima, eu me vejo na obrigação de concordar plenamente com ela. A vida é cheia de escolhas, um caminho cheio de bifurcações, e se escolhermos o caminho da direita, vamos pra direita, e se escolhermos o caminho da esquerda, vamos pra esquerda. É como uma escada, em que se escolhermos subir os degraus, chegaremos lá em cima, ao passo que se escolhermos descer os degraus, chegaremos lá em baixo. E claro, se estivermos ao pé dessa escada e escolhermos não subir, lá mesmo ficaremos. Os budistas costumam dizer que a vida é como uma casca de laranja, e um dia, um grande mestre ao ser interpelado por um jovem monge que lhe perguntou "Como assim como uma casca de laranja, Mestre?", este lhe respondeu "Ôxe, num é não?", e ficaram os dois refletindo sobre isso à beira de um rio de águas diáfanas.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

23 - ESSA PARECE MENTIRA


Certa feita, quando eu tava fazendo espanhol, tava procurando um livro pra ler que estivesse em espanhol. Eu só tinha livros didáticos, queria um romance, algo do tipo. Meu irmão Humberto, na época, tinha acabado de ler Cem Anos de Solidão, do Gabriel Garcia Marquez. E minha amiga Patrícia já tinha me falado dele também, altas recomendações. Eu lembro que eu tava lendo uma história do Demolidor, heroi dos quadrinhos, e um dos vilões, o Mercenário, tava lendo O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, um pouco antes de matar uma personagem do gibi, se não me engano, a namorada do herói. O cara que matou o John Lennon tbm tava lendo esse mesmo livro, é muito sinistra as histórias em que esse livro está metido. Passado alguns dias, eu estava lendo um outro gibi, Sandman, e no Sonhar, seu reino, um dos personagens tomava conta de uma biblioteca que tinha todos os livros que foram apenas pensados, e também os inacabados, e era mencionado um tal de G. K. Chesterton, tinha um livro dele lá que ele havia apenas pensado. Fiquei com isso na cabeça e fui pesquisar o autor, um inglês influente, tido como o mestre do paradoxo. Achei legal mas continuei minha vida, prometendo que se um dia encontrasse um livro dele, compraria.

Eis que um dia, passando pela Xavier de Toledo, tinha uma banca lá que era um sebo, não era uma loja, era só uma banca, mas tinha bastante livros. Cheguei e perguntei pro cara se ele tinha algum livro em espanhol, não didático, e sim um romance ou algo do tipo. Ele disse "cara, tá vendo aquela preteleira ali bem na frente? Aquele livro com a lombada grossa, branca ali, é um livro em espanhol, é o único que eu tenho, dá uma olhada lá". Fui lá ver. Era Cién Años de Soledad. Ao lado dele, grudado, estava O Apanhador no Campo de Centeio. E uns dois ou três livros depois, na mesma prateleira, estava O Homem que Era Quinta-Feira, de G. K. Chesterton.

Comprei os três.

Oito reais tudo.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

22 - Minha Mesa

O lance é que eu comprei um iMac e não tinha mesa, daí decidi comprar uma. Como tenho outro monitor de 20 polegadas que queria plugar pra trabalhar com os dois, tinha que ser uma mesa grande. Fui ver preço: pra lá de 500 pilas. "Nem Fudendo!" Lembrei que meu camarada Humberto disse uma vez que era legal fazer mesa com porta e cavalete. "Pô, pode ficar legal", pensei... saí andando pela Vila Mariana e fui parar lá no bazar da Casa HOPE. E não é que tinha uma porta lá? Tava sem preço, fiquei um tempo esperando o cara que coloca preços voltar de onde ele tava, ele chegou e mandou "30 pilas!". Abracei a porta sem dó, felizão. Já tinha um tampo de 2.10m x 0,80m pra mesa. Faltavam os pés. Fui num tiozinho aqui do lado, marceneiro, "o senhor faz cavaletes?", e ele "rapaz, faço não... cavalete dá muito trabai... mas tenho dois aí, se quiser... 30 cada". Mandei bala! Agora tinha uma mesa completa. Mas pô, era só uma porta em cima de dois cavaletes, né... daí decidi fazer o seguinte:































































E assim foi. No final, com a porta e o cavalete gastei 90 reais, mais as tintas, pincéis, papel contact, o Pozzoli (livro de teoria musical. Recorra sempre ao Pozzoli, rárárá!) e uma série de gibis e revistas, completaram uns 200. Agora é só comprar o vidro pra por em cima, e fico com uma mesa bacana por... 500? Hmmm...

Ahh, e como vocês viram, com todas as coisas em cima, não dá pra ver NADAAAAAAA!!!!

Mas vocês sabem, não importa o destino, o que importa é a viagem. Recomendo.

sábado, 7 de março de 2009

21 - GAJA A OLHAR PARA O TELEMÓVEL, PÁ!



Certa feita, quando eu tava lá em Lisboa, eu tinha que ir na Young&Rubican de lá mostrar pasta, então entrei no metrô na estação Picoas e desci na Marquês de Pombal, e de lá subi pela avenida até o bairro das Amoreiras, onde ficava a Young, ao lado do shopping. O que se revelou uma grande cabacisse, se é que é assim que se escreve cabacisse, há quem diga que é cabacice, ou mesmo cabassice, ou cabassisse. Porque dava pra ir tranquilamente de Picoas até Amoreiras andando, ia ser mais rápido inclusive, mas eu tava a pouco tempo lá, não manjava. O lance é que quando eu desci no Marquês, eu não sabia pra onde ficava Amoreiras, daí vi uma moça olhando fixamente pra um celular, segurando ele com as duas mãos na altura dos olhos, apoiada no murinho da entrada da estação. Quando me aproximei pra pedir informação, a moça, segurando o celular (aliás, celular não: telemóvel pra eles lá), então, a gaja ainda segurando o telemóvel com as duas mãos, de repente, dobrou os joelhos batendo de forma meio violenta no tal murinho, e caiu de lado, ainda segurando o telemóvel e olhando fixamente pra ele. Caiu de lado dura dura com o telemóvel na mão, e eu pensando "FO-DÊU!! QUE MARMOTA É ESSA AGORA?", e eu lá sem saber o que fazer pensando "não deve ser 190, 192, 193, qual o telefone da polícia daqui, ambulância, qualquer merda, carai, imigrante ilegal procurando emprego me acontece essa merda, vão falar que ataquei a mina e vão me prender aqui em Portugal, tô fudido", aí veio outra moça correndo "o que ocorre, o que ocorre?", e eu "sei lá, sei lá, a moça caiu aí", e a mina lá, ainda dura no chão olhando pro celular. Daí cheguei mais perto, coloquei a mão de leve no ombro dela e disse "Moça?", quando ela deu aquela virada no pescoço que nem a outra do Exorcista, olhou bem pra mim e disse:

"Eshtou béim, obrigado.", se levantou e saiu andando.

10 horas da manhã. Vai saber o que ela viu nesse telemóvel.


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Foto: Marquês de Pombal On Fire!, por mim mesmo.
Mais no orkut: Luiz Tim Ernani

20 - AL HAMAMM HALAMM HABIB QALEB.



Certa feita estávamos eu, o Ciará, o Binholas e mais alguém, não lembro se era o Zago, num boteco árabe ali na esquina da Domingos de Moraes com uma outra rua lá. Tomando cerveja e comendo umas esfihas e um quibinho, 3 horas da manhã. Tinha pouca gente, e numa mesa do nosso lado tinha um árabe grandalhão, careca, parecendo um guerreiro mongol daqueles gigantes. Junto dele tava um outro sujeito que parecia o Omar Sharif malajambrado, magrelo e véio. Servindo, um cara na casa dos 30, tudo árabe. Daí meio que começaram uma discussão, e o grandão falou assim pro magrelo:

- Aahmm hallam shabahh hallaa ahmaad.

E o magrelo:

- Iaha la ahhma hashed ahma!

E o grandão:

- Ahh malla ahl shallam al qabehb!

E o magrelo, com cara de desprezo:

- Ahhman ahmalla halmasaha al queíb iam ahmall!

Aí o grandão ficou puto e deu um tapão da porra na mesa e berrou pro magrelo:

- Iahhabib al quairam hiam ahhhalaaa amhannn iahh halaaa!!!

E o magrelo levantou e continuou falando merda:

- Iahh ahhhalla ahhhmad iahhh al-halla!

Aí grandão foi pra cima do magrelo, e o cara que tava servindo a gente foi lá correndo tentar apartar, eloquentemente dizendo "iahhha ammmah hallla ahhhmad shallla moaaahad shavaaa!", mas o grandão deu dois passos pra frente e o atendente bateu bem no meio do peito dele e caiu de bunda no chão. Levantou e disse assim pra gente "tá dudo dranquilo, viu brimo, bóde ficar sussegado que tá tudo na paz", e a gente "Não, beleza, tamo aqui de boa", e nessa o grandão deu um porradão na cara do magrelo, que caiu tentando se segurar no carro.

- Ahh llaahh shammad quabeib habib mohhhammaad iah hamad!!! - Disse o magrelo, e entrou correndo no carro. Daí o grandão foi lá e deu uma bicuda na porta do carro que até afundou a lataria, gritando "IAMM HALLLA MAHHAMAD HABBAAB AL QUAEILL HAMMAD AHHHMADDDD!!!!!", mas o magrelo pisou no acelerador e saiu vazado.

A gente continuou tomando nossa breja na boa, porque o assunto não era com a gente.


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Foto: Omar Sharif na Saatchi Gallery.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

19 - A HISTÓRIA DA RAIVA



Certa feita, mais precisamente no dia 13 de outubro de 2008, uma segunda feira no melhor estilo Garfield, eu levantei da cama só pra ser demitido do trampo. Me demitiram a tarde, pra não atrasar o job. Na terça, eu tava em casa de bobeira e meu camarada Humberto aqui da Comunidade Tsary-Ho (como chamamos nossa casa), mais o filho dele, Tiagão, e eu decidimos que a gente tinha que beber. Pegamos uma garrafa de Smirnoff Tangerina que tava no congelador e toca pro Vegas, Rua Augusta 765, pra uma noite de black music que tem lá. No caminho liguei pro meu ex dupla, Gustavo, mais conhecido como Coroné (manda na Bahia toda, mandou Deus matar o ACM, o cara é foda) e marcamos de nos encontrarmos na porta. Nos encontramos na porta do boteco que tem do outro lado da rua e matamos mais um tubos de cerveja, entre putas e bêbados que estavam por lá. Já entramos no Vegas locassos, a saber. E tome mais celvejas. E não sei de onde o baiano louco resolve que o bom mesmo é catuaba. E tome catuaba. Nisso já era Smirnoff Tangerina, várias cervejas e a porra da catuaba, pra vocês poderem entender que eu não estava no meu estado normal quando se sucedeu... o que se sucedeu:

Peguei um táxi com o Tiago e vim pra casa (o Humberto já tinha voado), e quando chegamos, Tiagão foi direto pro quarto dele dormir e eu fui ver como tava a Chaika, a mascote da comunidade. Na noite anterior, quando a gente saiu, ela tava meio estranha, com umas manchas na barriga, as pernas traseiras meio capengas, e com a boca meio sangrando. Quando de manhã (isso era 7 horas da manhã) eu olhei pra ela, ela estava em baixo de uma escadinha que tem aqui, decorativa, com o corpo todo travado e entrevado, olhando pra mim como se tivesse numa overdose de LSD: toda dura, os olhos MUITO arregalados, respirando com muita dificuldade, engolindo meio que a seco, gemendo baixinho... e o foda era o olhar, fixo em mim, sem piscar, em choque. Fui de mansinho chegando perdo dela, na manha, coloquei a mão pra ela cheirar, e quando ela fez um movimento pra frente, quase derruba a escada em cima dela. Então eu, vendo que ela não tinha me estranhado, fui tentar tirá-la de baixo da tal escada, e quando eu a segurei pela barriga ela deu um urro de dor, se debateu e me mordeu, eu a soltei e ela continuou gemendo baixo, olhei pra minha mão e reparei que tinha um pouco de sangue a mais do que seria normal numa mordidinha besta, e quando olhei pra ela com mais atenção, ela tava babando sangue.

07:30 da manhã, e eu bêbado.

E a cachorra que me mordeu tava babando sangue.

Mas até aí beleza! Juro que tava tranquilo, entrei, lavei o machucado e fui procurar na net um veterinário 24 horas que pudesse vir buscar a bichinha. Pra todos que eu ligava, falavam que só poderiam retirar o animal depois das 10:00h. Fiquei pensando em como poderia resolver a situação, e como tava na frente do computador com o Google aberto, resolvi pesquisar sobre qual procedimento teria que tomar pra mim caso a cachorra tivesse com raiva. Entrei no primeiro site pra busca "raiva em humanos", e no meio de tanta informação, a única que me saltou os olhos foi essa:

"Tanto no homem como nos animais, quando os sintomas da moléstia se manifestam já não há mais cura possível - a morte é certa."

Pô, peraí. Não é possível...

Procurei mais um pouco, fui na Wikipédia:

"Após surgirem os sintomas excitatórios (hidrofobia) a morte é certa e a terapia consiste apenas em aliviar os sintomas e diminuir o sofrimento do doente."

(Quem não gosta de ler palavrão, pode parar de ler aqui mesmo.)

"Porra caralho, que porra é essa??? Morte certa????"

Procurei em outros sites, as as informações eram sempre assim: "Morte certa." "Não tem cura." "Morte certa" "Você vai morrer." "Raiva não tem cura, você vai morrer." "Vai morrer." "Tim, cê tá fudido, vai morrer!!!!!"

PUTAQUEUPARIU, VOU MORRER!!!!

Aí começou a bater o maior medo que eu já passei na minha vida, juro. Nunca senti tanto medo na minha vida, em 32 anos, e olha que eu já vi coisa viu. Liguei pro Humberto:

"PELAMORDEDEUS, cadê você Humberto???"

"Tô virando a esquina."

"Corre caralho, corre!"

"Que foi Tim???"

"Corre caralho!!!"

Em segundos ele apareceu.

"Que foi?"

"A Chaika tá com raiva e me mordeu e agora eu vou morrer Humberto, eu vou morrer meu!!!"

"Como assim... cadê ela?"

"Tá ali, debaixo da escadinha."

E nessa, a cachorra ia ficando cada vez mais debilitada.

"Nossa Tim... acho que ela tá com raiva mesmo... sabe porque? O cachorro do meu primo tava assim... e mordeu ele... e ele morreu mesmo de raiva."

(Um aparte aqui como vingança pra explicar o Humberto: esse senhor Humberto Malaquias nunca tinha comprado alface na vida, e quando entrou no Pão de Açucar, no final de 2007, achou por bem tirar só 4 folhas de um pé de alface e levou no caixa. "Como eu pago essas 4 folhinhas, por favor?", todo simpaticão. "Oooooo quêêêê??? Eu tenho que levar o pé inteiro??? Mas minha filha, eu não como um pé inteiro de alface!", queria arrumar encrenca. Esse é o Sr. Humberto sóbrio. Imagina bêbado as 07:50 da manhã.)

"PORRA HUMBERTO!!!! O CARA MORREU MEU!!! E VOCÊ FALA ISSO COM ESSA CALMA???"

"Mas Tim... ontem eu fui arranhado por ela... eu também vou pegar raiva."

"Caralho Humberto, a gente vai morrer meu!!!!, vamo no médico pelamordeDeus!, a gente precisa tomar vacina!"

Nisso, do nada, a cachorra começou a gritar demais, mas muito mesmo, e começou a se contorcer e a babar mais ainda, a mijar e se cagar toda de dor, todo o corpo dela tava em agonia.

"Meu, vamo pro médico Humberto, porra, vamaí meu!!!"

"Mas meu... e ela?"

"ELA QUE SE FODA HUMBERTO, A GENTE VAI MORRER MEU!!!", peguei ele pelo braço e saí puxando pela porta afora, enquanto uma bola de mal-estar (sabe aquela pré-vômito?) ia se instalando no meu estômago.

Corremos pra um posto de saúde aqui perto, e lá chegando fomos pra sala de doenças infecciosas, já entramos falando que a gente tinha que tomar vacina anti-rábica que a gente tinha sido mordida por uma cachorra que tava babando sangue.

"Mas e a cachorra?", perguntou a moça.

"Tá lá em casa"

"Mas como ela tá?"

"Tá lá se contorcendo, se cagando, se mijando e babando sangue"

"Mas vocês chamaram alguém?"

"Não, a gente veio direto pra cá... escuta moça, você tá perguntando da cachorra, mas e a gente?"

"Vocês preencham essa ficha."

"Moça, manda a ficha pra cachorra e dá vacina na gente, pelamordeDeus!!!"

"Tem que preencher a ficha primeiro."

"Não dá pra ir aplicando enquanto a gente vai preenchendo?"

"O animal está em um lugar que tenha fácil acesso? A gente precisa mandar o controle de zoonoses retirar ela."

"Moça, só quando a gente voltar pra casa vacinado."

"Já preencheram a ficha?"

"Já."

"Ok, agora vocês pegam essa via e vão láááá no Instituto Pasteur..."

"Que????"

"...que lá eles vão fazer o procedimento correto."

Pegamos um táxi. Sabe quando dizem que toda sua vida passa pela sua cabeça em um segundo, quando se está prestes a morrer? No banco traseiro do Corsinha (Juro!!! A maldição do Corsinha não perdoa, é sério mesmo que foi um Corsa! Pra quem não tá entendendo, vide aqui:

http://noblogdotimnao.blogspot.com/2008/02/9-117kg-vou-de-txi-c-sabe.html

Retomando, no banco traseiro do Corsinha eu tive mais de 40 minutos pra pensar em tudo, mas no que eu mais pensava era que eu ia morrer me contorcendo, me mijando, cagando e babando sangue que nem a cachorra, e que os caras iam me sacrificar que nem faz com os bichos que estão com a doença. Ficava imaginando minha família, meus amigos me vendo naquele estado, ficava imaginando que eu tinha acabado de voltar da viagem pra Argentina com a Rose, que eu tava a fim faz tempo e tava rolando (ainda tá), e ela e minha mãe e meus irmãos e meus amigos iam ficar me vendo por trás de um vidro e eu lá me contorcendo, me mijando e me cagando e babando sangue, tipo "mioooolos", filme de zumbi, e que os caras iam me dar um tiro na cebeça. Sem sacanagem, passava todos esses tipos de merda pela cabeça, e a bola crescendo no estômago e eu bêêêêbado pra caralho.

09:00 da manhã e a gente tava lá no Instituto Pasteur, esperando o médico que ainda não tinha chegado. A mina da recepção perguntou qual o motivo, a gente disse que foi mordido por uma cachorra com raiva. Tensão. Ligou pra algum lugar. Aí começaram a passar algumas pessoas pela gente, encarando, olhando... e o Humberto lá, calmão. E eu lá, tremendo. E o médico necas. Daí ele chegou, entrou na sala, saiu, entrou de novo, colocou o avental e chamou. Entramos os dois.

"Os dois juntos..." o médico perguntou.

"Sim Sr., foi a mesma coisa... a gente foi mordida por uma cachorra que tá com raiva.""

"Ok... preencham essa ficha, por favor, essa 2003 pro senhor Luiz (pra quem não sabe, Luiz sou eu), e essa 2004... pro sr. Humberto."

"Ficha??? Dr., a gent..."

"Primeiro preencham a ficha." (Galera, o médico era muito calmo... imaginem um cara que falava manso e lento, esse era o médico, tipo o Dorival Caymmi, mas mais suave.)

"Porra Doutor!!! A gente tá desesperado e vocês ficam mandando a gente preencher porra de ficha?? Essa ficha vai me salvar a vida???"

"Vai sr. Luiz, vai sim... isso é um controle que a gente tem que ter, e com esse controle a gente vai salvar sua vida sim..."


Preenchemos a ficha.


"Pois bem... a cachorra tá com raiva...? E cadê a cachorra?" o médico perguntou.

"Tá lá em casa, ué!"

"Mas foi constatada a doença?"

"Pô Dr., não, mas ela tá se contorcendo, mijando, cagando e babando sangue..."

"Já chamaram o controle de zoonoses?"

"Pô Dr., não! A gente veio se curar primeiro! Cadê a vacina?" - eu e o Humberto nos revezávamos nas respostas.

"Peraí, vacina não é assim... quais os sintomas exatamente o animal apresenta?"

"Como assim vacina não é assim???"

"Eu não posso aplicar uma vacina em vocês sem saber o que está acontecendo..."

"Pô Dr., tamo falando, a gente foi mordido por uma cachorra que tava babando sangue! Vacina primeiro e pergunta depois!"

"Não, a coisa não funciona assim... a cachorra está viva? Vocês conhecem o animal, é de vocês? O cachorro está em um lugar onde possa ser retirado pra observação?"

"Doutor, a cachorra tá lá em casa, tá lá no quintal, a gente nem quis saber da cachorra, a gente quer é sobreviver, aplica essa vacina na gente aí!!!"

Aí começou a sessão sem noção, liga só:

"Sr. Luiz, eu não posso aplicar uma vacina em vocês sem saber se o animal está mesmo com raiva. Não posso fazer isso, não vou fazer isso. E outra, vocês conhecem o animal, e vocês tem que ficar feliz por poder contar com a morte do animal, depois da observação, caso ele esteja com raiva..."

"Contar com a morte do animal, Doutor??? Como assim?"

"Pois claro! Ora, se o animal morrer e for constatada a doença, ele vai morrer antes de 10 dias, e então eu poderei aplicar a vacina em vocês, vai dar tempo. Se vocês tivessem sidos mordidos por um cachorro na Praça da Sé e o animal tivesse sumido, eu agora teria que aplicar a vacina em vocês, porque o cachorro é desconhecido, mas..."

"Peraí Doutor, se a gente tivesse falado que era um cachorro de rua a gente ia ser vacinado?"

"Sim, teria..."

"Então era melhor ter mentido..."

"Não, claro que não... é bom que vocês conheçam o cachorro."

"Porque???'

"Porque se o cachorro morrer, e for constatada a doença, vocês poderão tomar a vacina com a certeza de que estaremos fazendo a coisa certa."

Aí, nessa hora, que eu tirei meu boné, tirei meus óculos, olhei bem dentro dos olhos do Doutor e disse:

"Dr, essa é uma das coisas mais absurdas que eu ouvi na vida", e buáááááá! Comecei a chorar que nem criança na mesa do médico!!! Entrei muito em desespero.

"Porra Dr., eu vou morrer!!!

"Sr. Luiz, se acalma..."

"Que se acalma Dr. (sniffs), o senhor taí tranquilo, com esse anelzão vermelhão no dedo (sniffs), a gente tá aqui desesperado e o senhor não quer aplicar vacina na gente (sniffs), a gente tem que esperar o cachorro morrer pra saber se a gente vai morrer ou não (sniffs), putaqueupariu Dr..."

E nessa o Humberto começou a ficar muito puto.

"Caaalma, Sr. Luiz, o senhor não vai morrer" ele disse. "Eu vou explicar o procedimento pra vocês, é o seguinte:

– vocês tem que chamar o controle de zoonoses e deixar o animal em observação por 25 dias;

– se ele não morrer, não é raiva, vocês estarão bem.

– se ele morrer em 10 dias, serão feitos os exames;

– se for constatada a doença, vocês terão que vir aqui urgentemente pra tomar a vacina. Não vão morrer;

– se o cachorro morrer, e for raiva, e vocês não tomarem a vacina, vocês vão morrer. Não tem cura;

– se o cachorro estiver em observação, e nesses 10 dias ele morrer... atropelado, por exemplo, terão que ser feito os exames. Vocês terão que trazer o animal aqui;

– se vocês não conseguirem trazer o corpo do animal até aqui, vocês terão que CORTAR A CABEÇA DELE E TRAZER A CABEÇA ATÉ AQUI, QUE A GENTE VAI EXAMINAR O CÉREBRO."

"CORTAR A CABEÇA??????" gritou o Humberto. "PORRA, QUEÍSSO!!!"

E eu "huaaaaaa, caralho, vou morrer", chorando pra caralho... putaquepariu.... foi foda.

O Humberto ficou puto com o cara, "PORRA DOUTOR, O SENHOR NÃO TÁ RESOLVENDO, A GENTE VAI MORRER OU NÃO VAI MORRER, VAI TER VACINA OU NÃO VAI TER?" e foi lá na ouvidoria, esculachou, eu fiquei esperando pra tomar uma anti-tetânica. E a tiazinha que aplicava a vacina contou o caso de uma mulher que trouxe a cabeça do cachorro dela num ônibus de outra cidade até o Instituto pra fazer o exame. Explicou que a raiva demora pra apresentar os sintomas, de 15 dias a 2 anos, e só quando o sintoma aparece é que ferra tudo: antes disso, dá tempo de se vacinar. E também que em São Paulo, tem mais de 23 anos que não aparece um caso de raiva, a doença foi praticamente erradicada. E também que todo o cuidado com a cachorra é que, caso ela estivesse com a doença, nossa área aqui do bairro seria isolada, investigada, todos os cachorro vacinados pra não virar uma epidemia, a coisa é seríssima. Eles ficaram ligando pra gente até 25 dias depois pra perguntar da cachorra... e da gente tbm. Fico imaginando o médico, coitado, tendo que lidar com 2 caras chapados, com um puuuuta bafo de cachaça às 9:40 da manhã... bebedeira essa que só foi passar lá pra de tarde, a gente não conseguiu dormir o tempo todo. A cachorra foi pra veterinária dela, e lá pelas 5 da tarde eu liguei lá:

"Oi doutora, aqui é o Tim, amigo do Humberto, dono da Chaika..."

"Ahh, oi Tim, tudo bem? Diga..."

"Eu queria saber como ela tá... eu fui mordido."

"Ahh sim, olha, a gente vai fazer uma transfusão de sangue, aplicamos os remédios já, ela vai ficar bem."

"Mas não é raiva que ela tem, né..."

"Não, magina! Fica tranquilo, é doença do carrapato. Se o carrapato tivesse picado você, talvez você pudesse ficar doente, mas como ele picou ela, e ela mordeu você, nesse caso é inócua para seres humanos..."

Mas anda sim, reitero: nunca, NUNCA senti tanto medo em minha vida.

É foda lidar com essas paradas bêbado...

Terminado a ligação, eu e o Humberto sentados olhando um pra cara do outro com aquelas putas caras da cansados, ressacados e otários, e o Tiago, que acabara de acordar e não viu nada do que aconteceu, desce as escadas do quarto dele e manda, tranquilo como o pai:

"E aí galera... que aconteceu...? Prontos pra outra?"


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Ilustração: não sei quem fez, mas foi meu bróder Fabiano "China" Sassen quem me mandou. Brigado, China!