quarta-feira, 5 de março de 2008

10. 114kg - MESMA ESPÉCIE


Todos conhecem, ou a maioria das pessoas pelo menos, ou não... enfim, muita gente conhece Frankenstein, o personagem criado por Mary Shelley, imortalizado pelo cinema hollywoodiano por Bóris Karloff, Bela Lugosi e, mais recentemente, há uns 14 anos atrás, Robert DeNiro. A imagem que se criou ao longo dos anos de Frankeinstein é a imagem de Bela Lugosi travestido num monstro vilanesco, descerebrado, motivado apenas pela vingança, gigante e grotesco, concebida pela genialidade louca de Victor Frankeinstein, um brilhante doutor com devaneios de superar a barreira da morte. Mas a história do monstro de Frankenstein é na verdade um maravilhoso e amargo tratado sobre a solidão, sobre a interação com o próximo, sobre nossos preconceitos. O monstro criado por Victor Frankenstein de fato "nasce" grotesco, remendado com partes dos corpos roubados dos cemitérios, um gigante com mais de 2,40m de altura. Um aparte interessante: nada de tempestades de raios com fios ligados ao cérebro do monstro, isso é coisa que o cinema precisa para um melhor efeito visual. No livro, a tempestade existe, mas apenas uma injeção dá vida a ele. Retomando, o monstro de fato nasce com o cérebro revivido, mas vazio de conhecimentos, como todos os recém nascidos. Aos poucos, vai compreendendo tudo e a todos que o cerca. Vai adquirindo conhecimento, aprende a ler, adquire cultura e finalmente, após ser abandonado pelo seu criador, compreende sua condição: ele é único no mundo.

Único, não tem par.

De vez em quando eu penso sobre os relacionamentos das pessoas, revivo meus relacionamentos antigos, observo os finais das relações ou o porque de algumas pessoas continurem juntas mas numa rede de traições (de ordem sexual ou não), brigas tolas e desrespeito mútuo. Fiquei pensando também sobre como algumas pessoas permanecem sozinhas, mesmo tendo oportunidades de se relacionar com alguém, e são ao mesmo tempo tranquilas por fora, mas angustiadas por dentro. Cheguei a conclusão de que, para certas pessoas, o que falta é alguém como elas.

Iguais.

Da mesma espécie.

Eu acredito em relacionamentos que duram pra sempre, até porque eles realmente existem, se você procurar um pouquinho achará exemplos de pessoas que estão juntos a vida toda. Acredito em fidelidade também, respeito, pessoas que estão juntas por objetivos comuns, que são felizes um com o outro. Mas aqui, FELICIDADE, essa que todos lutam por ela, esse que é o mais paupável dos sentimentos, esse estado de espírito, essa sensação de prazer, o sonho que todos querem realizar na vida, é pouco. Porque, por mais que seja difícil achar alguém pra viver com a gente, convenhamos, não é uma tarefa assim tããããããão bicho de sete cabeças, como mostra a cada vez mais crescente população mundial. Você conhece alguém, essa pessoa lhe parece legal por uma série de signos que você inconscientemente identifica nela, ela os identificam em você também, começam a sair, as coisas começam a dar certo, vai ficando sério, vocês se apaixonam, vira namoro, se amam, noivam, se casam, têm filhos, e com uma dose imensa de paciência, braços torcidos, brigas, pazes, resignação, engolição de sapos e pequenas vinganças, sua vida passou, você olha pra trás e vê muita coisa construída, uma vida estável, filhos crescidos, netos, quiçá bisnetos, e chega a conclusão de que sim, você foi e continua a ser feliz. Morre saudável e tranquilo cercado das pessoas que mais te amaram e que você mais amou. Uma morte gloriosa, com choradeira, discursos, palavras bonitas de um padre, um belo e confortável caixão em um cemitério bonito naquele bairro gostoso onde você comprou sua linda casa. Todos no seu enterro também dirão que sim, você foi muito feliz, estará escrito na sua lápide, inclusive: "Aqui jaz uma pessoa que foi realmente feliz."

É bico.

Difícil é achar alguém da sua espécie.

Acredito que só alguém assim nos dá uma vida plena, em todos os sentidos, só ela preencherá cada espaço vazio em você, completará cada lacuna, trará não só felicidade, mas paz para entender os momentos infelizes e força para superá-los. Alguém que pensa como você, que age como você.

Que é você, em outro corpo.

Pequenas diferenças sempre existem em pessoas da mesma espécie, um gosta mais de uma cor, o outro gosta mais de certo tipo de música, um gosta de carne mal passada, o outro nem come carne... ou não, até nessas coisas eles são iguais, mas não é isso que os tornam da mesma espécie. É a maneira igual como enxergam o mundo e interagem com as coisas ao seu redor. É a relação pessoal igual com todos os eventos importantes que fazem parte da vida. A mesma maneira que recebem uma notícia ruim ou boa. A mesma maneira que agem quando estão no fundo do poço, e sobem. A maneira como lutam contra as injustiças, se levantam para defender ou ajudar a quem precisa, e como celebram as conquistas. Pensam a mesma coisa, se comunicam por telepatia, sabem o que o outro está pensando só pela maneira como respiram. Que se amam em cada pequeno ou grande gesto. Que não precisam perdoar, porque reconhecem em si mesmas os mesmos defeitos do outro. Que sejam imortais um no outro.

Iguais.

Essas pessoas existem. Elas estão entre nós, cruzam com a gente pelas ruas, tomam café ao nosso lado nas padarias, pensam a mesma coisa na mesma hora em países diferentes, sentem as mesmas vontades e tomam as mesmas atitudes simultaneamente a milhares de quilômetros de distância um do outro.

Muitas vezes acabamos encontrando essas pessoas de maneira totalmente ocasional, gratas surpresas cotidianas, e o mais comum de acontecer é nos tornarmos grandes amigos. Essa amizade durará para sempre, e mesmo o tempo ou a distância não os separarão. Mas amizade, como eu disse a uma amiga dia desses, não perpetua a espécie. E nem nos aquece de manhã, na cama, nos dias frios. Daí acabamos andando pela cidade tentando nos encontrar em alguém, e com o tempo, não importa quem. E é aí que tudo se complica: acabamos conhecendo alguém, essa pessoa nos parece legal por uma série de signos que nós inconscientemente identificamos nela, ela os identificam em nós também, começamos a sair, as coisas começam a dar certo, vai ficando sério, nos apaixonamos, namoramos, nos amamos, noivamos, nos casamos, temos filhos...

E continuamos sozinhos, mesmo acompanhados. Como diz uma música do Neil Young: "When you get weak / And you need to test your will / When life's complete / But there's something missing still..."

Voltando ao monstro de Frankenstein (no livro, quem se chama Frankenstein é só o doutor; a criatura é chamada de "monstro", "demônio", "aberração"...), ele pede ao doutor que faça um par para ele, uma fêmea, uma igual, um ser da mesma espécie para que ele não se sinta mais tão só. Ele não quer uma mulher qualquer, ele até poderia conseguir, penso cá com meus botões, uma moça cega, sei lá, que não visse sua feição horrenda e que se importasse apenas com o amor que ele tinha para dar, que acreditem, era muito. Não, ele queria um ser igual a ele, que o compreendesse, que tivesse as mesmas emoções que ele, que enxergasse o mundo como ele e seria visto pelo mundo como ele era visto, e então ele sumiria, iria com ela para as florestas tropicais da América Latina para viverem isolados do mundo e em paz. Ao ter seu pedido negado, a criatura conclui seus planos de vingança contra seu criador e se isola nas terras geladas do Ártico. Em um dado momento do livro, ele diz para Frankenstein algo que resume toda sua história: "Quando eu revejo meu terrível catálogo de pecados, eu não posso acreditar que eu sou a mesma criatura que teve os pensamentos uma vez preenchidos com sublimes e transcendentes visões da bela e majestosa bondade. Mas é sempre assim: anjos decadentes se transformam em demônios malignos. Mas até mesmo o inimigo de Deus e do homem tinha amigos e companhia em sua desolação.

Eu estou sozinho."

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Foto: Frankenstein por Rick Baker

2 comentários:

Anônimo disse...

Relações,
algo tão majestoso, tão importante as vezes cansativo, umas passageiras, outras infinitas.
Isso por que "elas" podem ser por prazer, por obrigação, profissional, familiar... mas nos relacionamos com o mundo o tempo todo...
Continuar a relação que é opcional. Mas se vc. sente prazer, confiança, respeito, tesão de estar por perto receba esse
carinho, arriscar pode ser uma maneira de viver e conhecer o outro... quem sabe por sorte vc. acabou de encontra a pessoa da sua "espécie".
Ultimamente as pessoas perderam o hábito de disser o quando vc. é imoportante o quando vc. é capaz de amar e ser amado de fazer a real felicidade acontecer...sem medo, preconceito...
super beijo!!!

Anônimo disse...

Colocou em palavras o que eu tinha dentro da minha cabeça e do meu coração...


Abs de uma Ariana, como vc!