quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

4. 121.5kg - EU E SUPLICY, SUPLICY E EU.


Essa é uma daquelas situações kafkanianas bem ridículas que só acontecem comigo...acho. Certa feita, tinha acabado de terminar meu namoro e tinha sido um término daqueles, com choradeira, mágoa, raiva e tudo o mais. E nessa, ela me dizia que eu nunca tinha sentido nada por ela, porque eu não demostrava nenhum sentimento, que eu estava com uma cara inalterada, insensível, parecendo um robô. Pegou as coisas, foi embora e eu fiquei sentado na cama olhando pro nada realmente com uma cara de robô. Estava próximo da hora do almoço, então liguei pra um amigo pra saber se ele a fim de almoçar por aí e conversar um pouco, mas com o Baraldi nada nunca é pra já, de modo que eu teria que esperar umas 3 horas pra rangar. Daí resolvi dar um rolê pelo parque do Ibirapuera pra dar quela espairecida e pensar sobre isso, sobre como a gente fica meio robotizado mesmo quando tem que terminar um relacionamento. Esse pensamento foi evoluindo pra como a gente fica robotizado com ao longo do tempo mesmo, não só em términos de relacionamento, mas aos poucos a vida vai transformando a gente em pessoas duras e um tanto insensíveis, e que daqui a pouco o nosso corpo vai começar a produzir componentes eletrônicos, fiquei viajando em roteiro de filme e no término do namoro. Tava rolando a Bienal de Arte, resolvi entrar pra dar uma olhada, mas o tema era “Como Viver Junto”, e achei que a Bienal não poderia me ajudar, infelizmente. Como a fome já tava batendo, e ia demorar pra almoçar, resolvi comer uma esfiha e beber alguma coisa qualquer num quiosque ali, só pra dar uma forrada. Sentei, pedi as paradas e fiquei ali matutando sobre como aplicar as três leis da robótica num relacionamento. Nisso ouço uma voz conhecida, um sujeito sentado ao meu lado tava lendo um livro em voz alta pra uma mulher, poesia ou algo to tipo, mas tava virado pra ela, então não conseguia ver quem era. Continuei comendo na manha, o cara terminou de ler, comentaram sobre como o tal poeta era um gênio aos vinte e três anos, se ajeitou no banquinho e pude ver que era o senador Eduardo Suplicy, lendo em voz alta um livro do Carlos Drummond de Andrade pra uma amiga. Se virou pra mim e me comprimentou cordialmente, “Bom dia, amigo, tudo bem?”, respondi “Tudo bem?” também e pedi mais uma esfiha. Nessa ele começa a ler outra poesia pra mina, e num certo momento consigo ouvir um trecho que dizia “... o primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou, mas o coração continua”, e eu imediatamente comecei a chorar pra caraaaaaaaaaalho! Putaqueupariu, até parei de comer, e Deus sabe que aquela esfihinha tava bem boa, mas não conseguia nem mastigar. Mas vocês não tem noção, tava chorando de soluçar mesmo, mó sentidão, zuado, daqueles que dá até falat de ar. Toda a minha humanidade voltou de uma vez só, caindo como uma bomba sobre minha cabeça. Fiquei nessa chorando até ele terminar a poesia, e quando eu pedi a conta com a voz chorosa ele se virou e disse:
– Tudo bem, meu filho?
– Tudo bem... snifs... tudo bem sim... sughs... (limpando as lágrimas).
– Hmmm...
Paguei a conta e quando tava saindo disse.
– Até mais, senador, que bom que pelo menos era o senhor que tava lendo essa poesia e não o Paulo Maluf.
– Mas tá tudo bem mesmo?
– É, tá tudo bem, é só que quando eu votei no senhor nunca imaginaria que esse voto seria devolvido.

(Um aparte aqui: tem vez que eu tenho a incrível capacidade de falar umas merdas que eu não sei de onde vem, sério, não é culpa minha. Eu abro a boca, e lá das entranhas, sem fazer esforço nenhum e sem articular a boca, a besteira sai.)

Dei um tapinha nas costas do senador e fui andando pela alameda ao redor do lago, procurando um banco pra sentar e sentir plenamente minha recém humanidade readquirida, ainda choramingando um pouco.

Andei uns 100 metros e ouço uma voz novamente conhecida atrás de mim: “Ô AMIGÔ”. Me virei pra ver quem era e CARALHO!, era o senador correndo atrás de mim no meio do Ibirapuera. “AMIGO, AMIGO, UM MOMENTO POR FAVOR”

– Ô amigo, depois que você saiu minha amiga me disse que não entendeu direito o que você quis dizer com devolver o voto, venha, venha explicar pra gente, eu não percebi na hora mas ela achou que eu deveria saber, e acabei ficando intrigado também.
“Putaqueupariu entranhas filhas das putas”, pensei, “e o que eu vou dizer pro cara agora?” Lá fui eu chorando atrás do senador. Chegamos lá no quisque novamente e a amiga dele: “Oi, é que o que você disse sobre o voto devolvido foi muito interessante, e como parece que você não tá muito legal achei que ele (o senador) deveria saber o que isso queria dizer, vindo de um dos seus eleitores”.
E nisso foi chegando gente. Políticos atraem, né.
– É, porque eu tenho que devolver os votos fazendo um bom trabalho no senado e blábláblá...
Cacete, e agora. Fiquei lá com o olhos marejados olhando pra cara do senador e da amiga dele pensando o que esse negócio de devolver voto queria dizer.
E nisso foi chegando gente.
Quando ele terminou comecei a falar sem parar:
– Sabe o que é senador é que eu acabei de terminar um namoro e eu tava me sentindo meio mal meio robotizado sabe e quando eu falei em devolver voto claro o senhor faz um bom trabalho e eu nem sou fã de políticos confesso mas voto no senhor e quando o senhor leu aquela poesia lá me deu uma tristeza e daí eu comecei a chorar e me sentir melhor e então o senhor devolveu o voto pra mim diretamente não como cidadão mas como uma pessoa em particular mesmo saca e o senhor parece ser um cara legal então...”
– Qual foi a poesia – ele me cortou.
E nisso tinha já uma vinte pessoas ao nosso redor, vendo o senador.
– Ahh, uma que falava que o primeiro amor passou, o segundo amor passou...
– Ah, é essa daqui.
E eu pensando “nãonãonãonãonãonãonão...” mas não teve jeito, e foi assim que num domingo, lá pelas 13 horas da tarde o senador ficou lendo poesia pra um Tim cheio de lágrimas nos olhos com vários espectadores assistindo o recital do Suplicy. “Consolo na Praia”, o nome da poesia, ó que beleza. O poema terminava com “Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho.” (é, é foda), e quando ele disse “dorme, meu filho” ele deu um tapão nas minhas costas e disse bem alto, com um sorrisão: “VAI DORMIR, MEU FILHO!”, mas como isso pareceu meio rude, imediatamente ele corrigiu: “vai descansar, um novo amor virá.”
Graças a Deus ninguém começou a bater palmas. Malditas entranhas com vida própria. Maldita humanidade traidora.

Para seu regozijo e deleite, segue aí a poesia:

Consolo Na Praia
Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

3 comentários:

Anônimo disse...

Conseguiu me fazer rir, Tim.
E você nem imagina o quanto isso vale pra mim, na atual conjuntura.
Valeu,

Paulo

Sweet Toxicant disse...

Nossa, TIM! Totalmente inusitado!
Mas o Suplicy é um cara gente boa mesmo... conheço a história do meu amigo que também teve a oportunidade de estar em um lugar público onde o Suplicy também estava, e puxou conversa com ele e ficou hooooras falando... rs
Segundo o meu amigo, ele fala devagar, manso... acho que ele gosta de pessoas... ele é simplório...
Mas daí a ler a poesia pra você... caraca!!! Depois dessa, acho que vc até perdeu a graça de continuar chorando né? Ou não? rsrsrs
Beijão!!!

Altavolt disse...

Caraca, Tim! Sempre votei nele e sabia que o "Supla" é gente fina pra cacete...Mas no seu post, ele se superou! Puta coincidência, ainda era do mesmo livro que saiu pra mim no teste da Sweet! Grande abraço, cara. Voltarei mais vezes!